quarta-feira, 16 de junho de 2021

Sonho 09 (baleeiros ao crepúsculo)





Talvez com uma idade muito avançada, ancião de barbas brancas, quase um ermitão  assim me sinto, enfurnado e enclausurado nesta singular caverna iluminada em cores quentes, sem entrada e sem saída conhecidas: anos a fio.

Penso tanto que pouco sobra para ser pensado. Mil recursos para lidar com a solidão, os tive. Ainda assim, modifico-me aos poucos, evoluo, aprendo coisas. E o local, igualmente se modifica. Agora não é mais uma caverna típica, mas o interior de um animal gigantesco: uma baleia certamente tão azul quanto os céus, os mares e as tristezas do mundo exterior. Um lar que é uma prisão e um refúgio. Um longo túnel de carne, um abrigo senciente.

Até que, enfim, rasga-se uma abertura na parte superior, acima de mim. Alguém fizera um corte, uma fenda. Encontramos! Ele parece bem, graças a Deus!

Compreendendo a situação, deixo-me subir pela escada de cordas, até meus resgatadores. Puxa, vovô, você ficou um bocado de tempo aí dentro, ein? Pelo menos oito horas. Você foi mesmo um guerreiro.

Oito horas... Espantoso... Sinto como se décadas se passaram. Ou mais: nem consigo lembrar de uma vida anterior. Meus conhecimentos do mundo exterior são puramente referenciais. Não é a memória dos olhos, dos sentidos.

A luz do sol é suave, outrossim me aturdiria a vista. Está ele a se por, sobre o oceano sereno. Na distância, um navio-fábrica para dissecamento de cetáceos; e um pouco mais próximo, a baleeira propriamente dita, o inconfundível canhão na proa. As embarcações são escuras silhuetas, contra a luz alaranjada do poente. Melancolia, é a palavra.

Sim, meu abrigo estava morto. Não sei há quanto tempo, e nem sei como eu não havia percebido o fato.

Meus resgatadores e eu, por fim, saltamos daquela barriga sulcada, virada para cima, do corpanzil flutuante, para a lancha anexa. É... Da próxima vez, cuide onde vai pescar, vovô... Dessa vez você teve sorte. Nossa frota não costuma vir muito por este lado do mundo.

Enquanto nos distanciamos, sinto certa tristeza pela baleia abandonada, morta. Vista de fora e longe, parece muito menor que antes. Outra embarcação acolheria seus restos, friamente, laboriosamente.

Vou rejuvenescendo, devagar, enquanto me desloco na superfície do mar, e a lembrança de quem eu sou retorna.








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