8. Miséria vertical
Nas estreitas vielas de uma comunidade
que é perene faroeste sem heróis à vista,
não pode haver espetáculo algum na rotina
de meu inútil desviar da boina e do capuz.
7. Gravata amarrotada
Considerável meu andar, mas sapatos precisam durar;
a arte de ter impecáveis, em mil entrevistas,
o traje e o falar, tendo na mente o tormento
e a casa às escuras – a ameaça do cárcere.
6. Área de serviço
Uma prisão santificada, este lar e esta função
a mim conferida, sem opção de saída;
eterna fêmea útil, utensílio ambulante,
serviçal e amante, reprodutora e troféu silente.
5. Macas da clínica
Se sou agora o refém de uma dependência dita química;
sou também o joguete das infrutíferas terapêuticas,
e torno-me, aos poucos, o que eles enxergam,
os olhares fixos/fixadores da grande repulsa.
4. Postes da rua noturna
Em esquinas e calçadas, fui rainha sem reinado;
sou o gosto do pecado, mas dele nunca desfruto,
ainda mais em minha doença, da clientela tangente,
em meu cansaço maquiado, essa mágoa acobertada.
3. Chão de fábrica
Ao ritmo dos relógios alheios me ajusto,
mesmo ao custo do sabor perdido dos dias
passados todos em pavilhões e setores,
posto que proletária em si jamais será a vida…
2. Paisagem desolada
Antes dos vaivéns e dos andares em círculos
dos tamancos sobre todo o agreste ardor,
era impopular o meu cantar do Sertão,
a solidão de um coração com seus calos.
1. Ruas da Grande Cidade
Um sujo pé, porque o mundo é poeira;
mendigando em semáforos, porque livre
sou dentro dos limites da jaula-cidade;
criança de negro futuro, o filho do Nada.
***
Frase (gritada) no centro do painel (em torno
da qual orbitam os quadros):
CORAÇÃO-SOL!