domingo, 7 de janeiro de 2018

Sinais de fumaça





Quando os viajantes estiverem cansados
e o rangido das rodas começar a definhar,
alcance o cantil
e dê-lhes de beber sem nada cobrar.
Você ainda enxerga o ouro no horizonte,
há quem o veja no céu.
Mas o sol não cauteriza a saudade do futuro,
mesmo quando este mais se assemelha a uma fugidia visão
sem cores terrenas,
filtrada por chances escassas...
Já bebi, e sempre temerei
parecer menos ou mais que um dependente
do infinito.

Não podemos parar por aqui;
os planos foram reescritos,
as táticas redefinidas
e a finitude que certa vez manchara nossos travesseiros
dissolve o gelo das montanhas por vir,
talvez meio sem saber
que nada dissolve para sempre.

Pensei que tivéssemos uma meta.
Agora, porém, sondando o caminho já percorrido,
nele me projeto um tanto mais esperançoso,
embora curvado de ingênuas dúvidas...
Agora minhas convicções me engolem;
por favor! responda aos meus sinais de fumaça
antes que meus últimos e redentores questionamentos
se diluam na expansão azul.








Orvalho





“É pra fazer doer.
Se não fosse, não chegaria até você
essa voz vinda do vulcão
da desolação perpétua.”
– Foi o que me falou a canção
que o tempo entoou como um aviso
da desertificação do Paraíso.

É sempre assim.
Trânsitos astrais
que frustrarão
nossos ideais.
Sedução de um fugaz brilho.
Aves voarão,
ondas quebrarão,
manhãs secarão
o orvalho.

Porquanto, do ébrio torpor
do romance advém os destroços,
foi então que vi seus ossos
virarem pó, meu grande amor.
E a lembrança dos nossos beijos
foi apagada da memória do Universo.
Nevoeiro disperso.

É sempre assim
o que seduz mais.
Nossas auroras
sempre boreais.
Fascinante e fugaz brilho.
Aves voarão,
ondas quebrarão,
manhãs secarão
o orvalho.

Existiria um atalho,
compensações de um devir.
Sentir e reconhecer
sua voz nos ventos,
seu olhar nos astros,
seus cabelos nos campos,
seus contornos nas dunas
– a mais perfeita miragem,
caso sobre alguma paisagem
num mundo cultivado
por quem se apega em demasiado
ao azul do céu
que também passará.

Aves despencando,
ondas secando
tal e qual orvalho.








Desafiador prazer





Teu olhar me olhando,
tuas mãos me pegando,
um desejo sem nexo
que é o sexo dos anjos.
Passeamos nos mundos,
são eternos segundos.
Paralisa-se o tempo,
mil momentos que juntos vêm.

Mais ágeis que a luz,
mais profundos que o som,
criaturas criadoras
de alegria duradoura.

Ninguém controla o meu corpo
quando fico assim tão leve e solto
– desafiador prazer! –
e nesse êxtase de cores,
quero mais é sentir todos os sabores
que a vida pode oferecer.

Quando penso mais alto,
me preparo para o salto
num abismo de luzes
que a música abriu no ar.
Sou tritão e sereia,
vitrificada areia,
sou um laço de fogo,
faço o jogo continuar.

Mais cedo vem
a resposta a quem
transformou em ousadia
o brilho do dia.

Ninguém controla o meu corpo
quando fico assim tão leve e solto
– desafiador prazer! –
e nesse êxtase de cores,
quero mais é sentir todos os sabores
que a vida pode oferecer.

Ninguém controla...








sábado, 6 de janeiro de 2018

Bioplasma tentacular





VERSÃO 1
 
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Solidão reptiliana quasimodal
escafandríssima
contempla seu arsenal.
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Ventilados ninhos.
Os cabritinhos das viúvas aladas.
Fadas saúvas.
 
Ufo lenticular.
Peleja ultramar.
Particulas de som.
Sacerdotes de Amon.
 
Fóssil cruz.
Pentagramados no céu,
os caleidoscópios do beleléu.
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Eles não têm um lar.
 
 
VERSÃO 2
 
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Solidez crocodiliana infinitesimal
enterescopíssima
contenta o vento atonal.
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Ventilador El Niño.
Os cordeirinhos das rabugentas armadas.
Ratas sabujas.
 
Ufo lenticular.
Peleja ultramar.
Partículas de som.
Sacerdotes de Amon.
 
Fossa das Marianas - hidro.
Melifluente reator - o escarcéu.
 
Bioplasma tentacular,
ainda é cedo para se multiplicar.
Perdidos em pleno mar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar,
hordas de bichos-grilos que não têm um lar.
 
Eles não têm um lar.







Towers of glass





Oh my love,
somebody stroke me with the eyes of fire.
Oh my love,
somebody told me through the eyes of fire:
“all your hope is vain;
see who you've chosen to be your new guide.”
Oh my love,
somebody trapped me with the eyes of fire.

“Dirty love”
- someone is shouting from the higher ground.
“Dirty creed”
- someone is haunting who dwells underground.
Dirt inside their minds
won't let them rest until this world is worn.
“Dirty love”
- they scream through speakers 'bout the highest promise.

Higher ground, a sort of bound we're told to remake.
Holy fame, worshiped aim, a building rebuilt.
Grab your hammers and helmets in pose.

Higher ground...
Higher ground...
Higher ground...

Oh my love.








Sonhos de um inseto






Quão alto um homem pode voar?
Quão baixo pode se espatifar?

Bem vinda ao meu esconderijo.
Mas seja breve: não queira ficar.
Meus pesadelos tomaram forma,
o desespero encontrou seu lar.

Não sou o que você vê!

Num experimento sem claro objetivo,
um coração como dado quantitativo.

Não guardo em meu laboratório
outros mistérios além dos normais.
Meus pesadelos têm suas normas.
Meus novos pelos não são naturais.

Não sou o que você vê!

Já começaram as reações.
(Um bug na função de sonhar.)

Não sou o que você vê!







A modelo*





Ela é uma modelo, grande visual.
Posso levá-la para casa ao tempo ideal.
Ela trabalha incessantemente a sorrir.
Basta uma câmera para convencê-la a vir.

Na noite, só bebe champanhe, é o correto.
Analisa cada homem que está por perto.
Ela joga o jogo dela; ouça-os falar:
“Pela presença da beleza deve-se pagar.”

Produtos de consumo ao lado dela eu vi.
Aos milhões de olhos ela dá o melhor de si.
A nova foto de capa mostra seu poder.
Ela está no topo, mas ainda vamos nos rever.







* Original do grupo alemão Kraftwerk, sob os títulos "Das Modell", "Das Modelou 
"The Model". Música composta por Ralf Hütter e Karl Bartosletra de Ralf Hütter 
Emil SchultAdaptação em português por Tiberius L. S. Lobo.

Loch Ness





O sol reflete nas águas e desperta a vida.
Organismos se agitam: almas entretidas.
Por que ainda insisto em me ocultar
nos vaivém dos humores tão lunares?
Entre fases e eclipses,
entre ciclos esperei
por um motivo para a coragem
de permanecer na claridade.
Sempre que emerjo,
respiro esperança e desespero,
e quando mergulho não me reconheço,
não penso, não sinto.

Se eu não tentar, nunca vou saber.
Se eu não tentar, nunca vou saber.

Mas hoje é um dia de sol e algo mudará.
Antes que ele se ponha, tempo haverá.
Mas as profundezas seduzem tanto,
e a claridade revela tudo,
até o que não queremos ver.
Já vi e sei o que temer.
Da última vez que subi,
eu vi a perdição do mundo
e voltei, assustado,
mas o som do choro dos aflitos
continuava em mim, me impelindo
a tomar uma decisão.

Se eu não tentar, nunca vou saber.
Se eu não tentar, nunca vou saber.

(Eu sei que cada vez que venho à superfície,
as pessoas gritam e correm a buscar suas câmeras.
De qualquer maneira, sempre chamo atenção,
sobretudo quando me oculto,
logo após deixar minha marca onipresente.)

Que tremam os ímpios!
Aguardem pelo monstro que a todos salvará.








Me acorde ao meio-dia





Se você me perguntar
por que estou à vontade,
eu respondo:
“sigo a trilha até Xanadu.”

Me acorde ao meio-dia.
(Ou amanhã de manhã...)

Se você me perguntar
por que estou tão disperso,
eu respondo:
“são as brumas de Avalon.”

Me acorde ao meio-dia.
(Ou amanhã de manhã...)

Jornadas ao centro da terra,
mil odisseias espaciais,
vinte mil léguas no fundo desta paz:
a única opção é não voltar atrás
– ao primitivo caldo.

Se você me perguntar
por que estou tão distante,
eu respondo:
“é para poder alcançar você.”

Me acorde ao meio-dia.
(Ou amanhã de manhã...)

Quântico emaranhamento.
Deuses em seu crepúsculo.
Corpusculares entidades de luz.
O alquimista sai do ovo do avestruz
para me encarar.

Me acorde ao meio-dia
de amanhã.

No zênite de Zaratustra,
sem quadrante e sem bússola,
entregue pelos braços de Morfeu.








Minha fuga






Estou pensando em partir
sem um rumo a seguir,
sem pegadas tuas logo adiante.
Talvez haja um lugar,
e que seja familiar
ambiente a um olhar distante.

Enganosa é a imagem da pureza.
Tua fé me traz a incerteza.
Minha fuga já não cabe nestes trilhos.
Tradições que devoram os próprios filhos.

No coração de um ator,
a realidade é só um fator.
Meu fraquejar é tua conquista.
As árvores da praça,
a vida da vidraça
é enredo sem protagonista.

Enganosa é a imagem da pureza.
Tua fé me traz a incerteza.
Minha fuga já não cabe nestes trilhos.
Tradições que devoram os próprios filhos.

Só eu sei, só eu sei:
das memórias que guardei,
a visão do teu fim foi a pior.
O terror, o terror
do meu caos interior
é melhor que o conforto hipócrita.

Vacilante afeição,
o sinal da divisão:
tuas flores no terraço a murchar.
Só o tempo é que mudou;
meu prazo se esgotou:
conseguiste me fazer sangrar.

Rosa da idade da tristeza,
tua fé me traz a incerteza.
Minha fuga já não cabe nestes trilhos.
Tradições que devoram os próprios filhos.

Tuas flores...
Meus terrores...
Nossa incerteza...
Apoteose burguesa.