sexta-feira, 30 de maio de 2014

Locução evocativa





Luminoso, grau supremo a almejar.
Alvo-negro, sombra fulgurante exposta.
Rima viva, solto brado envolvente:
Colorido, coloridas taças – baças.

Vem melódico, vem liso alisador.
Manha cúspide, salitrante alvéolo.
Logra-ritmo, és ultraje maliciante
Liga-sonhos: ritualista espaçamento.

Linga mântrica: soltas preces às revoadas.
Mar saudado – és virtude mira-mundos.
Sacra-lógicos: me desfaz, refaz o tato
Que desato – para ver-te mais que ao nada.








Fetiche






Entre tapeçarias e esquadrias,
cristais refratários e baixelas,
fulgura o chamariz magnético
inversor de meus polos e revoluções.

Matizada cintilância, liquefação estática,
portal atráctil de candura atemporal,
na lisura desta superfície
deslizam as indenes falanges – absorvedoras.

Vaso de delicadeza atordoante,
receptáculo de mistérios infindos,
derramai o indefinível eterno
sobre vosso fascinado guardador.

Faze desta sala um templo giratório,
cristalino coração de palacete suspenso
em meio a feixes luminosos e turbilhões,
aquarelantes clarões (……..).

Sinuosa calidez...
Luminosa altivez...
Eis, alvejado, o vosso poeta incerto,
derramando sobre a terra vosso celeste conteúdo!








Cripta de luzes





Não me levas em teu pêndulo
como um sacro fetichismo carnal.
A beleza dos teus ossos ressoará
com fúria pagã das torres vigilantes,
mesura infiltrada no ódio.

Cada espinho enfileirado na escultura
não condiz com a dor rasgante mencionada.
Tuas juntas medidas, cada polegada enfim,
caberão no novo invólucro cristalino.

Diamantes piscam honoráveis nos céus redentores.
Tudo está guardado dentro de nós, cuidadosamente,
em incomensuráveis compartimentos.

Incluímos cordas para o caso
de nossa criatividade se esgotar.

E incluímos a criatividade como subterfúgio.








Êxtase expansivo






Imensidões
animam subprodutos telúricos.
Sou feito de terra e céu,
equilibro-me no limiar crostal.

Minhas raízes móveis
extraem o melhor de cada solo,
minhas asas hábeis
desviam-me dos penhascos.

Fluo suavemente em tua direção,
minha tênue espuma
salga tua doce epiderme;
deixo que te delicies
com as carícias das pequeninas conchas
envoltas em minha substância.

Giro em torno dos monumentos,
faço das secas folhas que sobem
o meu tapete voador.
Vibro e ondulo, oscilo e tremulo
ao feminil harpejo da tua voz.

Estou dentro e fora de ti;
somos mundos solidários,
como tantas outras mônadas animadas.
Estou imerso e emerso;
as menores coisas e as maiores
armazenam-se em meus códigos internos.

Surjo e me oculto
ao meu bel prazer,
desfruto do êxtase expansivo
até o limite de seu alcance,
até se fazer ouvir o inevitável chamado
do domicílio molecular.

Retorno ao refúgio carnal,
sede temporária deste sumo astral.

Não tenho do que me queixar.
Não há medo de altura
quando se olha de baixo para cima...
e não há distância real
entre o amante e o amado.








Gigantes de metal





Densa névoa à madrugada erguera-se no horizonte.
Proverbial esperança soterrada no inflexível.
Contempla a paisagem de escombros o viajante,
Após a hecatombe, o abalamento irreversível.

Erguido à fornalha que o fere mas não consome,
Então sobreposto, traspassado, afixado, o metal
Faz suar, faz retornar à rigidez o Novo Homem,
Que fundirá e forjará com mãos brutas o velho mal.

E agora que, no afã, alturas oxidantes fito,
Caótico turbilhão de ruídos – guinchos, gritos –
Abre alas para estas metálicas criaturas.

Perplexos ficamos no surreal horror do instante;
Mas corramos aos atropelos, pois estes gigantes
Tombam estrondosamente sobre vidas futuras!








Glândula





O céu não conhece a Filosofia.
As árvores não entendem de Psicologia.
O carro estacionado ali em frente
ignora completamente a Antropologia
e eu apenas permaneço numa ilusão
de que um ser humano possa talvez saber algo
referente a uma suposta capacidade técnica
de revelar o que pensa saber.

O que sinto não é confuso para si mesmo,
mas não sei, apenas sou o que sinto.
A desarmonia que me aflige
é por vezes mais ágil que a paz
residente nas teorias paquidérmicas.
É óbvio que elas me confortam,
mas, por agora, só confortam a parte atrelada a elas.

Sei que o caos não pensa. Não teoriza.
Somente sofremos pela densidade do Universo.

Calo, agora, tudo que em mim
é conforto rumo ao abismo.





o macaco e a máquina de sonhar (f.3)




cataclismos intracranianos
sedativos subcutâneos
não podem curar
arrombamentos venéreos
tênues películas
e véus acomodativos
SAIA DO MEU ESPAÇO
MENINA SACAROSE
MÚMIA RADIOATIVA
PLANTAÇÃO DE PAPOULAS
LONGE DEMAIS DO CÓRTEX
viúva negra de minha insônia
tarântula peluda na minha cama estreita
e então ma
..................................................................
macacos copulando
sob fogos de artifício
matando
os inimigos de sua ideologia
quebrando
a MáQuina de SONHAR
mutilando
planárias aNntrOpommorFaAaS
O Univeeerso nNo ccÉrebro
e O cérebroo Se desfahz
pela MENiNna SACaROSE
=== MÚMIA RADIOATIVA ===
PLAnTAçÃO dE pAPOulAS
LONGE DEMmAAIS DO CÓóRTEkX
=LLabirinNto dos MEUs pesaDEloSs
Voo da ALMA
nos corredoRes de Um hospital
numa FLOREsTA DE DEMÔNIOs
caindo de um ARRaNha-cÉéÉéuu
no FiM de um TÚúúnnNel sidDEral
abduzido e exXaminado
por sáááádicos ANJOS ASTRONAUTAS

...................................................................







Rito cronológico





Consegues tu sentir o peso da alma?
O cometa veio e voltou,
nossa luneta quebrou
e ninguém consertou
o mecanismo rejuvenescedor
que caçávamos com tanto alarde
nas encostas enevoadas
de um país incerto...

Consegues tu suportar o peso da alma?
O algoz ergue a alabarda
e a exultação popular
é acompanhada pelo rufar
e pelo arrulhar
das aves agourentas
antes empoleiradas
em gárgulas meditativas.

Medievais roseiras brilham em seus agudos cortantes.
As cabeças rolam no tapete natural
que, condescendente, assistiu
o teu obscuro deflorar.

Consegues sentir?

Eu sinto em ti,
e sordidamente escorrido na epiderme
do espírito.
Onde está meu corpo agora?

Fuligem se dispersa no céu opaco...

Escoamos no pântano brumoso.
Águas arrulham debaixo dos galhos finos
fumegofulgentes
e nada penso no inominável rito cronológico;
caçamos nossos dias passados
com lentes polidas
de desérticas vitrificações fumegantes;
ampliamos e reduzimos
a auréola sacroespasmódica
das notas obstruídas
no fole de nosso instrumento partido...

Roubaram a partitura.
Queimaram a estrutura.
Telescópios na fogueira.
Telescópios na fogueira.
Telescópios na

Binóculos na lareira
Bi

Óculos

O branco frio absorve o vermelho quente


Eu...

               sinto...


                                                            (...)








segunda-feira, 12 de maio de 2014

A última vez que morremos...






A última vez que morremos,
tivemos a glória de contemplar
cada segundo da surreal decomposição
dos nossos trajes de noivos.
O pequeno crânio de cristal
que sorria no canto direito da escuridão
havia reiniciado seu ininteligível
discurso pseudofilosófico
com aquela voz típica de esquilo chipmunk
impossível de ser levada a sério.

Mas nada era tão sério assim.

Foi nesse segundo que lembrei,
por uma breve eternidade,
de uma cena já passada há milênios.
Nós dois nos equilibrando de braços abertos
sobre as folhas flutuantes
no rio que seguia mansamente
até o horizonte de todas as possibilidades
da imortalidade.
Nem os inocentes batráquios ao redor
conseguiam nos capturar,
talvez por sermos ainda menores, e mais ágeis,
que as línguas deles.

Bastou, entretanto, apenas algumas piscadas de olho
para mergulharmos novamente
na faixa de realidade que nos foi imposta.
Cataratas desabaram sobre nossos dorsos
enquanto afundávamos
no abismo resplandecente
emparedado pelas risadas e choros musicais
das gerações de atores anônimos
que nos educaram para a morte.
Os mundos desfilavam diante de nós
como contas de pérolas ou gotas de luz
roubadas das memórias dos prismas enciclopédicos
erguidos sobre o caos
das civilizações arruinadas.
Éramos nós que desabávamos e nos reerguíamos
ao ritmo dos ciclos dos séculos.
Nossos lindos e disformes corpos
ostentavam as marcas notórias
de cada época e ideologia.
As coletividades costumando nos surrar
e expulsar continuamente de suas pátrias.

Mas os espaços foram marcados.
Sempre um sinal, um vestígio
por onde passamos.
Mesmo que nunca tivéssemos chegado a um acordo
sobre o que éramos e de onde viemos.
O que importava... e ainda importa...
era (e é) para onde conduzimos
a barca festiva dos defuntos
mais vívidos e coloridos
que as terrenas lendas
já tão opacas e decompostas
pelo auxílio das traças
da estagnação de cada cultura.

Ninguém jamais suspeitou
das nossas aventuras
durante os nossos sonos.

Somos eternamente
os pontos de luz
contra o fundo escuro do tempo.








Ratos





Esta quantidade tão enorme de informação
não estanca a hemorragia de superstição.
As paredes ganham vida pra nos esmagar,
pois os construtores morreram neste lugar
só de ouvir estalar o chicote subsônico
entre os alto-falantes do medo estereofônico.
Então sangram as paredes, as torneiras da dor;
cavalares doses de urbano estupor.

Torres à prova de terremotos zombam dos socos
que trocamos nos intervalos dos beijos loucos.
Malucos de gravata e cabeça raspada
vendendo barato a raiva cultivada.
Penduricalhos chacoalham nas mochilas dos punks.
Os molotovs voam pra queimar palanques.
Então seremos nós os expiatórios
quando os tentáculos subirem pelos mictórios.

Estupefatos, os ratos amestrados
entre canos acrílicos
não reconhecem o ambiente,
não reconhecem o ambiente.

Não!!

O insano experimento.
O profano sentimento.








domingo, 11 de maio de 2014

Diploma





Pregação inútil.
O mundo gira do mesmo modo
como nos tempos do antigo genocídio.
Pregação inútil.
Os jornais se arquivam nas bibliotecas
para a festa das traças.

Estratégia inútil.
Ninguém dedetiza um vespeiro
quando é nele que moramos e nos deslocamos.
Estratégia inútil.
Ninguém fala ou escreve as palavras
que dançam no ar da redoma de Utopia.

O mundo não é feito de papel.
A vida não é a gramática.
No seu peito não pulsa a matemática.
Seu diploma não compra seu destino.

Cartas marcadas
ainda comandam os jogadores 

inscientes de sua reles posição
na insuspeitada instituição






A loção





Sobre o seu cabelo
a loção parece iluminar você
para compensar a fragilidade
do seu coração.

Não faça dele uma jaula,
gaiola bonita.
Todos os pássaros conhecem os caminhos deles
através dos céus,
dos paraísos e dos infernos
até a morada mais condizente
com o instinto de cantar.
Apenas cante e encontre seus caminhos
neste purgatório onde nos deslocamos
loucamente com nossos faróis baixos
para não iluminar os resquícios ressequidos
das lágrimas.

Tome cuidado então
para não se deixar também engaiolar
em outros corações sugadores.
O destino ou alguma lei cósmica implacável
pode continuar a fazer
os semelhantes se unirem
para se estraçalhar mutuamente,
como de praxe.

Eu ainda aposto em você.
Estou preparado para perder
por amor.








O ponto de não retorno






CHRIS – Sejamos metódicos.
Este hospício precisa de uma faxina.
NEIL – Ainda poderemos manter os chapéus de Napoleão
para evitar uma insubordinação.
SYLVIA – Só espero que a poluição auditiva
não persista em nossos sonhos
mesmo nos raros dias de folga.

“Baliza do tempo mítico.”

Marilou teve um conflito com o princípio da realidade. O psicoterapeuta reteve sua menstruação numa pipeta e entregou-a ao sócio alquimista. Os assistentes laboratoristas iniciaram uma gritaria histérica quando da revoada dos pterossauros inimaginados. Fui o único no meio daquela balbúrdia capaz de permanecer firme, registrando tudo, apesar do banho de sangue sobre mim. Não me foi permitido sequer intervir no destino do corpo da minha protegida, espalhado em miúdos pelos cantos do recinto. Não consegui saber nem mesmo o que ocorrera com a alma dela; meu psi-comunicador havia estourado recém no início da desagregação molecular das amostras dos zigotos. A quem ouvir este registro, agradeço pela tentativa de tentar entender. Eu queria só deixar claro que o que nos aconteceu naquela noite não foi mais do que uma ligeira coceira perto do que estará daqui a poucos dias se acometendo ao planeta Terra e à orla da zona de tolerância térmica do nosso sistema planetário. Bravos serão os camundongos e as baratas. Talvez desta vez o santo demônio que conduz a evolução invista finalmente numa civilização insetídea, a despeito das reivindicações dos éticos e dos estéticos irrequietamente espalhados pelos cantos atratores do universo local. Uhm... fim óbvio da mensagem.

Pós-escrito – Quarenta e três mil isótopos amortecidos entre o nucleofusor e as emissões eletromagnéticas dos prótons transplutônicos. Sua calcinha foi trocada no mínimo cinco vezes hoje.








Filhos da noite






A hora está chegando e a cidade se apressa
a acender seus luzeiros frios,
batizando os fugitivos da realidade,
da fatalidade que nos separou em nações
circunscritas a cada cômodo de nossos lares.

Finjo sorver a seiva ardilosa e sou aceito
no lugar em que você se perde;
luz e sombra se confundem em nosso olhar,
ao longo das ruas labirínticas de neon,
na juventude já cansada de sonhar em vão.

Filhos da noite em obscuro ritual.
Filhos da noite em seu lapso existencial.

Ainda no seu encalço, vago pelo inferno
que você escolheu para viver e morrer.
Persisto até ter a certeza
de que aquela luz ainda brilha.
Entre a incompreensão e a indiferença dos vultos
– incompreendidos –
tenho tanto a dizer,
suprema vontade de explodir!...
mas ainda me contenho.
Ainda me contenho.
Ainda.

Afinal, há um lugar melhor.
Mais além há um lugar melhor.
Sei que há algum lugar melhor.
Deve haver algum lugar melhor.
Haverá...

Filhos da noite em obscuro ritual.
Filhos da noite em seu lapso existencial.

Filhos da noite...
o mundo os esqueceu.








Quintana





Ele passeia entre arcos
de triunfos esquecidos
com olhar de nostalgia aquecida.

Ele se arma de sorrisos
misteriosos como os corvos
na neblina dos playgrounds.

Ele para junto à ponte móvel içada
e por cima dos barcos as bicicletas
começam a voar.

Ele vai aos cemitérios mais belos
só para contemplar os ciprestes
dispararem contra o céu.

Ele sonha com os anjos
que pousam suavemente em gárgulas
de cristalizadas lágrimas.

Ele cavalga cometas
domados com sussurrados
versos elípticos.

Ele se chama Poeta
e morre completamente só
entre os fogos de artifício.