sábado, 12 de outubro de 2019

Panorama





Porquinhos, é o lobo
em frente ao portão.
É o Johnny, o homem
da escuridão.

Avisos nos troncos,
roncos antigos...

Sofridos, é o anjo
da auréola neon.
É o banjo do redneck,
metálico som.

Correntes fantasmas,
dementes palavras que saem

das goelas, das guelras
de um megalodon,
e os pires que voam
destoam o tom.

Tormentas brancas,
cabos sem esperança.
Metamorfoses de uma alma oca,
barrocas odes fluídas.

Talvez o destino,
ou optada dor.
Joguete de um monstro
espaguete voador.

Camaleônico amor
aos fatos,
mato-me de viver.








terça-feira, 24 de setembro de 2019

Revolução íntima





O amor entre escombros
não se deixa sufocar,
nem se banalizar por coisa pouca,
como instrumentais virtuose progressivos,
antidepressivos viciantes
em frascos brilhantes.
Vou te descabelar.
Perambulamos como gatos em telhados,
mesmo que ainda cercados
de sadomasoquismo civilizante.
Elefantes, pra rimar.
Canta o que te der na telha;
tua voz emanada
é um borrão sobre a poluição.
A magnificência
da multicolorida emissão.
Mas onde mesmo quereríamos estar?
Teletransportar-se?
A baía de Manhattan e a Disneylândia
são os lugares mais banais do mundo;
só no rancho fundo da nossa intimidade
encontramos nosso lar
e podemos descansar.
Sobre um oceano de partículas flutuantes,
escolhemos as profecias
que devem se realizar.
Mas já é hora de dormir de novo,
já é hora de dormir de novo e
juntamos os pequenos colchões
da íntima revolução.
Pedaços dos nossos corações.









Valparaíso*






Sempre a guiar-se por estrelas,
rume ao meu lar, onde o amor me espera.
Ate em cordames o vento austral,
suavize o luar, e que ela
contorne a salvo o Cabo Horn
até Valparaíso.

Vermelha luz é guarida.
Quem saberá dos demônios da lida?
Ao alto, uma cruz estrela meu mar;
permita o luar que ela
contorne a salvo o Cabo Horn
até Valparaíso.

E cada estrada adiante
me levaria ao mar,
com promessas quebradas na bolsa.
Amores jogariam
o navio do meu coração
sobre o mar revolvente.

Quando a água me for sepultura,
chegaria, esta alma, às alturas?
Um espectro que voa sobre o mar
envolto em luar, e ela
contorna a salvo o Cabo Horn
até Valparaíso.








* Original de Sting, sob o título “Valparaiso”. Autor: Sting.
Adaptação em português por Tiberius L. S. Lobo.

À deriva*






À deriva
no largo e vasto rio
que estende-se esguio
ao luar,
produz sonhos,
também aos tolos,
que como eu, fluem,
pois deixo-me levar.

E partimos
tão à esmo, os dois,
e de um mundo as visões,
ao léu.
Num encontro
onde o arco-íris tem seu fim,
você espera por mim,
amigo Huckleberry Finn.
Rio da Lua e eu.






* Original de Henry Mancini e Johnny Mercer, sob o título “Moon River”.
Adaptação em português por Tiberius L. S. Lobo.


terça-feira, 9 de julho de 2019

Pequeno Coração (mistério particular)





Pequeno Coração, assim o chamavam, lembrança tangível de toda descomunal fragilidade. Minúscula presença magnética da saudade de um pequeno sol. Ele entrava e saía dos aposentos em passos leves e inaudíveis como um passarinho alegre. Algo como um aroma doce e instigante permanecia sobre as demais auréolas. Todos o amavam; não podia ser de outro modo diante do sorriso que parecia conter o Universo. A visão era ora nítida, ora incerta, mas era sempre ele – o belo jovem de cabelos castanhos, o estudante, sua bicicleta assobiante, como ele apertava os olhos, como esticava o pescoço ao falar, como se espreguiçava; todas aquelas sutilezas que mais faziam chamar atenção quanto mais simples e puras eram elas.

Então, de repente, não se sabia quais dias vieram antes e quais vieram depois. Não se via claramente se por algum canto ou esquina ou esconderijo não compartilhado o mesmo ser angelical quebrava seu sorriso e vertia seus rios nunca vistos de angústia incompreensível. Ou nós mesmos. Ou ela.

Oh, sim, ela! Eu a via de pé no meio da cozinha, sua bela cozinha matinal; ela, olhar vazio ou disperso, expressões genéricas, sinais do mistério da dor impronunciável. Uma mãe. Mãe... um ser reduzido a uma sílaba tão simples quanto complexo é o peso a se carregar. Novamente, o que não se vê é o gigantesco que não se deixa tornar palavra. Logo, não raciocínio. Uma fuga óbvia para a manutenção de algum sonho enevoado.

Novamente, o sonho se dilui e se recompõe. Agora é como flashes ou slide show mostrando cada cômodo das casa que por fora é de paredes de tijolos à mostra – lindos, perfeitos, brilhantes – (...) As frases soltas ao vento: “Ele era um bom moço.” “A casa ficará diferente.” “A loucura dela é incurável.” Mas parecem frases sem sentido agora. Apenas sons. Num mar de fúria que é o mundo.

“Esse é o coração dele... o coração do meu menino... a única coisa que dele sobrou ...” Quando ela não estava agarrada nele, o deixava sobre a geladeira. Os outros podiam vê-lo, mas não tocá-lo. Não que quisessem realmente tocar ou possuir aquilo. Afinal, era tão somente um minúsculo patinho de plástico, amarelo, de no máximo seis centímetros. O menino brincava com ele dentro de sua banheira até os três anos. A imagem disso fixou-se na alma daquela mãe como uma necessidade absoluta, imperativa, de uma eternização. No fim, todos que a viam assim só podiam imediatamente pôr-se a chorar (mas sempre o disfarçando), enquanto ela sorria absortamente, olhando para uma inescrutável distância nas profundezas de seu mundo interior.

(...)


(Inacabado)






Photograph by: Ingrid Pape-Sheldon

domingo, 30 de junho de 2019

Everest







Conseguiste alcançar
o patamar visado desde eras.
Atrás de binóculos,
inspecionou-se os limites da esfera.
E mais: alturas extremas
feitas em pedra ou aço;
trampolinou-se até o espaço.
Mas quem pode contar
as lágrimas e esforços
daqueles que velaram
teus passos?

Conseguiste ser alguém
que multidões definem como um homem.
O que podia se esperar
atrás dos óculos e do renome?
Mas não, pois toda vitória
se faz com amplo esforço
de muitas mãos e mães,
a oculta glória
de pajens e escudeiros
que sustentaram guerreiros
com o pão do dia.

Olhar para o chão movente,
para os viventes
formigantes
por um instante.

Ainda há tempo de olhar
no olhar daqueles que te guardam
e erigiram teu país;
feliz é a partilha da estrada.
Escalar a Pedra Angular
equivale a revisar
a propulsão que dignifica a ação.
Mas as energias da vida
aguardam sempre
que o vento vente
o amor sábio a ti:
em lutas conjuntas
e desafios muitos
da espécie, é o que fortalece
para o ato final,
aguardada redenção.
O cordeiro e o leão,
uma símplice canção.

Olhar para o chão voraz,
aos que estão atrás,
serve para a paz
de elo tenaz.







Photograph by: Elia-Saikaly

Fogo de chão, festa no céu






Fogo de chão,
tremulante é a visão
ao redor da qual somos irmanados,
seja em galpões
ou em clareiras de aconchego,
um nicho sem tempo
para contadores de lendas
alimentadoras
dos guerreiros da paz.
Fogo de chão 
as chispas em ascensão;
pensamentos que volitam
ou que aqui crepitam.
Enquanto, no vasto descampado,
as inumanas lanternas
pairam sobre as colinas e os prados,
ondulam os lagos,
tangem os gados
para fora do abrigo arbóreo,
deixam marcas e códigos.
Nossas vigílias proféticas
vislumbram as faces dos mundos
oriundos da mesma fonte.

Eu observo
a marcha das estrelas
que têm um quê de terrenas
quando olhadas com olhos
de noite serena
guardada no País das Lembranças.
Avante, as tochas
exploram sendas ignotas,
impelem proto-humanos
como a proto-anjos
à maneira que a Eternidade
sempre o fez.
As histórias se recontam
com novos detalhes,
atualizam-se contos de fadas.
Bruxuleante ou altivo
é o brilho.

Fogo de chão.

Brumas vivas sobre os cimos.
Ao chamado, convergimos
ao círculo que abrimos,
comunhão que transluze
o foco no diverso
do plano multiverso
que transmude o verso
em mais luz.
A forma sinuosa
sobe e evolui nas alturas.
Não somos mais os mesmos.
Porque tudo em nós se iluminou
– nada que já não estivesse lá.
Onde quer que pudéssemos estar,
e a bel prazer
nos transformar.

"Eu não vou deixar apagar
a luz dos olhos teus."

Eu sei o que são
as luzes no céu,
os sinais nos campos,
os jorrantes buracos brancos
no centro do centro
dos olhos.









Gleba







Até onde meus pés podem ir
para o caminho ser meu?
Trilhas que possuem histórias
nunca antes narradas
– privilégio de saber.
Sou fragmento desta amplidão
que ajudei a cultivar.
Mesmo sem querer, eu fiz a parte
em cada gesto e riso.

É a gleba que engloba os pontos cardeais,
rosa-dos-ventos cataventando meu andar em frente.
Sem fronteiras, nem barreiras, como sou também.
Espiralo num espasmo, pasmo ante a vista
a perder de vista.

Como triste fico ao ouvir,
destes lábios que beijei,
imposto o que deveria ser
ou um gosto ou vocação
de um simples coração.
Como tristes seríamos nós,
confinados a regiões,
se somos multicultivadorizadamentes
entes.

Minha terra tem Palmeiras e Corinthians,
Gre-nal violeta, Fla-Flu de várzea sem juiz.
A garoa vindo à toa não difere
Oiapoque e Chuí e eu intuí qual a face
de um amplo lar.

Chimarreadas são mais divertidas
sobre palafitas;
entre igarapés e mangues,
um lenço Chimango se agita.
Ecoando-se a acordeona
de uma barca no Amazonas.
Chocolates de Gramado
num teleférico ao Corcovado
são mais doces que um Pão-de-Açúcar,
mas as cucas
não têm Estado.

Até onde seus pés podem ir
para ainda ser você?
Não respondo, mas posso sondar
a resposta do próprio solo.

Minha terra estende redes entre montes,
espalha o pólen das criações dela pelo ar.
Eu escuto de olhos fechados essa voz
feita de muitas vozes, cores cambiantes,
penas de pavão gigante.

Minha terra tem aroma exótico e sutil,
tem o gosto indefinível de um araçá azul.
Sem fronteiras, nem barreiras para as asas-
deltas que pintamos, sinestesia-maresia
de aqui ser.








Intrusão cibercaótica






Confiar em motores de carro
e ventiladores que não fazem ruído
condiciona você ao sossego
que lhe fará ser morto dormindo.
Nunca haviam nos contado
que a tranquilidade é uma
conquista sangrenta
e que o sono viável é só por sedação
e que a arte e a beleza
só vêm à luz quando se rebaixam.
Por que deveria eu confiar
numa natureza que nos permitiu
chegar a este ponto?
Maldita hora em que
resolvi deixar meu asteroide
sem um mapa correto
do universo local.
Infeliz o momento
em que caí neste deserto
onde tantas vezes morri
sem deixar cinzas ou vestígios.

A revolta das máquinas
não as deixou mais felizes.
A queima dos livros
poluiu a estratosfera
de frieza sub-humana.
Tarde demais
aterrissaram os salvadores.

Quimicamente estimulado,
soergui-me então
da câmara de hibernação.
No melhor dos casos,
algumas décadas de sobrevida.









Pequena serenata industrial






Os balcões dos casarões
ouviram um violino desafinar um hino
feito de pedaços de sentimento esparso,
um toque estrangeiro num quadro costumeiro.

Cenas que remanescem tão gentis
na memória coletiva.
Impressões que tive ao chegar aqui.
Pelotas preenche a vista.

Trilhando um seguro projeto de futuro,
aqui vieste pousar, sem hesitar ou pesar.
Pois com tua escolha, evitaste a bolha
que limita os sonhos em horizontes tristonhos.

Determinado e sem esmorecer,
te empenhas em teu projeto.
Respirar esperanças de haver
novos ciclos de progresso.

Engenhos a vapor, velhas novas ao dispor,
outrora cruzando o azul do oceano.
Hoje, as engrenagens rolam segundo imagens
surgidas em tua mente sóbria e sorridente.

São as visões da felicidade,
o moderno evangelho.
Minha menção e homenagem
a este gozo sério.

Estações amenizam saudades
do teu olhar refrigério.
Minha canção chove à tarde
sobre os campos e os prédios.