sábado, 16 de janeiro de 2021

Graduação vital*




As cidades
sem horizonte
choram por seus filhos,
na construção árdua dos trilhos;
choram pelas chuvas e monções,
suas plantações
submersas.
Violetas e hortênsias
em parapeitos,
violência sussurrada
como as flautas dos canaviais
da ambiguidade decorativa
dos sonos das meninas
diversas.
Espetáculos pálidos
para a garantia dos sorrisos
esquálidos dos inválidos.
Momos.
Reis e rainhas em andrajos
acenam para os dois sóis
revoltos no perímetro
do arco-íris circular,
alimentador periódico
dos arrozais
emersos.

Sem mais saltos no tempo.
Apreciar o momento.
Imortalizar
o escolhido-colhido.
O mecanismo
é desde já imortal:
o eixo
caleidoscopiza / girandoliza
a afeição do reino invisível
a partir de dentro
dos seres visíveis.

As visões prosseguem.
Fonte saudada
de tudo que é saudade;
forma variável
da imensa divindade
tangível.

Uma nova lágrima
que desconhece a própria causa.
O fluxo das coisas
transcende a captação.
Vidas são vinhas
que se esgueiram
pelo ar;
folhas e ramos
que balançam
devagar...








* Título alternativo: "Guirlanda vaporosa"

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

“Primeiras palavras”




Espécie de peregrino que carrega dentro de si um sólido lar com gosto de uva verde e melancia redonda, trilhas sonoras antigas da Disney, visão de enciclopédias feitas de ilustrações primorosamente pintadas; espécie de espaçonave viva e senciente jornadeando por entre brilhantes edifícios-cidade em alternância com a experimentação dos pomares colonos, galpões-celeiros, os queijos caseiros e cantos de galos, a tristeza inconsolável dos porcos, angústias de todo animal confinado... Horrores de maquiagem cênica que representam aquilo que indubitavelmente existe fora de cenas; fora de cercas e muros protetivos tão pequenos debaixo do domo azul e negro e cinzento e colorido de tristeza incontornável; espécie de perene menino. Alma das manhãs. Ninguém enxerga o que ele vê. Ele, só. Involuntariamente único; não se rejubila da dádiva-maldição. Carregando sobre si toda beleza e toda feiura captadas pela singular visão de raio-X nunca solicitada aos mitos do Monte Olimpo. Sou.







segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Mesquinharias Assassinas – A Mutação




O frasco treme, treme, tremula e explode com toda a gororoba se esparramando por onde menos gostaríamos que se esparramasse.

Isso porque já sabemos o que era aquele conteúdo. Fomos nós que o criamos. Não podemos nos dizer inocentes, porque quando elaboramos nosso plano de rearranjamento molecular de organismos autorregeneradores e automutadores, já tínhamos noção dos perigos. (Todos.)

As luzes piscam, os alarmes enlouquecem; os dentículos se cravam em todos os pescoços disponíveis dos infelizes que ainda não encontraram esconderijo. Nossa única pequena vantagem agora é ainda lembrarmos onde se pode esconder. Porque conhecemos muito bem a instituição que nos acolheu e nos financiou.

De longe, observamos o massacre. De um ponto mais seguro, contemplamos o que será, posteriormente, nosso próprio fim. (O de todos.)

E, por fim, das próprias criaturinhas.

Os pensamentos mesquinhos que ganharam corpo, vontade e uma fome do tamanho do Universo.








“Efeito especial”




O passeio é glorioso quando você não se preocupa com quem conduz o veículo. O barco. O destino. Você enxerga, da janela, os reatores explodindo bem próximo, mas presume que nenhuma radiação maligna possa lhe afetar. Ah, como são coloridas e adocicadas as fantasias... Como são terríveis as decepções.
 
O buraco parece não ter fim. Você supõe que seja apenas um dragão cartunesco, com uma longa garganta, e que logo será encontrado o método fácil de regurgitação. Como são ingênuas as tendências. Quão repugnantes, os vômitos.
 
Então, agora que todo este vermelho viscoso e odorífico está diante de você, espalhado pelo piso ladrilhado de sua cozinha, você fica parado, conjeturando acerca da suposta engenhosidade dos fazedores de efeitos especiais e a criatividade incrível deles. Simplesmente, não cai a ficha.
 
(De repente, uma pequena e insidiosa inveja me pica, me morde, me envenena... e eu caio sorridente e chorante aos seus pés.)








Súlfur




Uma massa viva, hidrodinâmica, que se estende por vinte e oito metros; todas as células concordam quanto à direção a ser seguida. Uma beleza e uma força que não são humanas. O domínio do meio líquido é tal, que ela se sente mais leve que os pássaros que nela pousam. Para nós, umas “cem toneladas”, que nos remetem a tonéis... Para ela mesma, uma bailarina na imensidão acolhedora, seu vasto lar.
 
Ah, esqueci que você não se interessa por isso. Tentemos outra.
 
Elas se movem em fila, com toda determinação, na máxima organização. Um primor de perfeição geométrica, são seus corpos. Tudo funcional, cada detalhe; tudo é lógica acima de qualquer estética, em seu existir e agir. Mas a beleza aflora ao redor delas, simplesmente; aflora até delas mesmas. E a força, novamente. Força para carregar, como um Atlas, seus mantimentos. Vendo de uma perspectiva microscópica, seus lares são monumentos colossais.
 
Podemos escolher nossa perspectiva!
 
Bem... Acho que você não escolheu nenhuma. Apenas aceitou o que lhe ofertaram ou impuseram. Mas você teve todos os recursos para ir além, para empatizar, para ser. Observar com os amplos olhos do amor. Mas ainda julga que enxerga somente letras, nesta página. Apenas a sua carne, em você. Apenas o tempo presente.
 
Este que nos prende à terra, ao solo; ao labor monumental, esmagados por nossas próprias cem toneladas sem direção.








sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Vrum




Desmaiar, mil vezes desmaiar. Senhor, dê-me a bênção do desmaio. Diante deste público, desta aglomeração horrenda, destes olhares turvados que insistem em não querer saber quem sou.

Mil vezes apagar, dormir o sono imperturbável das corujas e morcegos – inocentes. Sentir-me levado na maca como se o fosse por um silente barqueiro cadavérico rumo a uma eterna mansão de descanso profundo, que seja profunda.

Evaporar-me, quem dera. Ser um não ser, mesmo que apenas experimentalmente. Sair de mim; do mundo, do meu livro, das minhas palavras, da minha sombra e da minha luz. Pura descompressão.

Sem um corpo que pague com dores pela ousadia da alma; sem uma alma que sofra os padecimentos do corpo e dos efeitos da gravidade terrestre. Sem Terra, sem chão, sem raízes.

Quero, descaradamente sobrepujando a sina de respirar, o direito a ser respirado. Quero invadir as narinas, os poros e qualquer orifício de cada ser tão enganosamente sólido e tão verdadeiramente poroso e penetrável.

E sair pelo outro lado.

Sair... Ó o deleite de sair! Perenemente em meio a um universo-só-interstício!








Explicação sumária sobre Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2002) de David Lynch




(CONTÉM SPOILERS)


Numa primeira olhada, ‘Cidade dos Sonhos’ seria mais uma obra lynchiana de crítica às hipocrisias da indústria de Hollywood, e quiçá ao cinema em geral, dando sequência à revelação das podridões por trás da fábrica da fama iniciada com o filme anterior, ‘Estrada Perdida’ (que se concentrava mais no microcosmo da produção pornográfica). A presença rapinante do abuso e do assédio sexual forma a aura destes filmes e também do posterior – ‘Império dos Sonhos’ – o fechamento de uma trilogia sobre os horrores ocultos do mundo da sétima arte.
 
O eixo para o entendimento da trama fragmentada, não linear e não cronológica de ‘Cidade dos Sonhos’ é saber que a primeira parte do filme é um sonho da protagonista, enquanto a segunda parte mostra as causas do sonho. Em ambas as narrativas, os elementos surgem trocados e embaralhados: os mesmos personagens aparecem com outros rostos, e personagens diferentes têm os mesmos nomes. A "lógica" dessas alterações é basicamente a explicada por Sigmund Freud em sua teoria dos sonhos.
 
A personagem de Naomi Watts (que se apresenta com nomes diferentes, em fases distintas do enredo) vê a si mesma nos sonhos como sendo personagens, ela mesma com aspectos diferentes.
 
O padrinho mafioso que está sempre numa cadeira. O caubói. O mendigo monstro. Esse aí, talvez seja a principal representação de si mesma que ela faz. Trata-se da sua autoimagem, algo que surge do sentimento de culpa após ela ter arquitetado o crime revelado no final do filme. O rapaz atormentado pelo mendigo monstro, na lanchonete, também é ela. Ela aparece divida em dois, nesse caso. Atormentada pelo que imagina ser seu próprio "rosto" desfigurado, o estado de sua consciência após ter eliminado a pessoa que mais amava.
 
É quase certo, também, que as duas figuras masculinas amigáveis na mesa da lanchonete, aparecidas tão repentinamente, sejam uma versão homoafetiva alternativa da relação lésbica das personagens femininas, em outro gênero.
 
A infeliz sonhadora está retirando todas essas imagens e nomes da vida real, dos simples acontecimentos ao redor.
 
Ela viu o caubói naquela festa, viu vários convidados dos quais a imaginação dela capturou as feições para depois se valer delas numa narrativa paralela.
 
Essa narrativa paralela, dos sonhos dela, é toda fundamentada na noção de julgamento. Ela ora julga e condena os outros, ora julga e condena a si própria. Por isso aqueles castigos intermináveis feitos às pessoas supostamente merecedoras desse juízo.
 
O próprio assassino de aluguel (que na vida real, executa o plano terrível) é representado como um bobalhão desastrado - porque, no íntimo dela, a protagonista ainda espera que ele não consiga matar aquela pessoa. O arrependimento tenta torcer as coisas ao máximo.
 
A parte estética do filme também tem seus códigos. A cor vermelha representa o sonho, a parte fantasiosa, o mundo dos desejos que constitui o sonho. Já o azul é seu oposto: representa a realidade fora do sonho. No caso dessa história, uma realidade da qual se pretende fugir: a responsabilidade por um ato terrível. Repare como a protagonista tem espaços de pânico durante os tempestuosos flashes de luz azul na sequência do Clube Silêncio.
 
A caixa azul serve como um portal entre as duas dimensões, é algo intrigante e assustador. É o caminho para a realidade terrível. A chave estilizada do sonho (que tem um correspondente no mundo real com outro formato, mas da mesma cor) está obviamente ligada à caixa. No entanto, é aquela pequena chave do mundo real, pertencente outrora ao assassino de aluguel, mas depois presenteada à pessoa que encomendou o crime, que fornece a significação da cor azul que será integrada ao mundo do sonho. Porque esse objeto fica dali em diante servindo de pivô fetichístico em torno do qual as demais imagens oníricas circulam.
 
Naturalmente, o vermelho está relacionado ao desejo. Matéria prima básica dos sonhos.
 
Há um curioso contraponto entre a misteriosa tia Ruth, com seus cabelos ruivos, e a mulher de cabelos azuis que assiste de camarote às apresentações assumidamente fake no palco do clube.
 
Curiosamente, na primeiríssima cena (a dança anacrônica) vemos um fundo violeta (roxo/lilás/púrpura, chamem como quiserem), ou seja, a fusão das duas cores fundamentais. Isso indica uma ambiguidade: essa cena pode estar se passando em ambas as dimensões. Tanto na “interna” como na “externa”.
 
Por fim, o casal de idosos representa a segurança da normatividade máxima, a aceitação coletiva, a inserção no status quo, que é até invejada pela protagonista. Ela se atrai por mulheres. No fundo da mente, ela desconfia que sua lesbianidade não a levará a formar uma família, ou a ter filhos, ter um lar seguro e uma aceitação social – tudo que um feliz casal idoso representa. Então aquele par (do qual o filme não faz questão de mostrar a origem imagética) surge, no final, como um fator repressor esmagador, uma implacável autopunição.
 
Mas o filme vai ainda além de ser uma amostra ou panorama da parte inconsciente do ser humano e os mecanismos com os quais aquele se mostra. 'Mulholland Drive' é principalmente um discurso sobre a natureza do amor, em seu aspecto mais trágico.
 
Um grande medo, e grande risco, para toda pessoa, é a possibilidade do amor ser somente subjetivo – algo vivido solitariamente. Sem correspondência à altura, da parte do objeto de amor, do ser amado. Toda a fantasia de amor da personagem está sendo vivida dentro dela mesma, enclausurada na sua pessoa. Não há nenhuma indicação concreta de que a mulher que tanto fora sua amada realmente a amasse. Pior: ela se revela uma grande fraude, um ser manipulador, sádico e cruel, que faz jogo de gato e rato com os sentimentos alheios. Alguém definitivamente não merecedor de devoção. Mas – se pergunta aqui – onde teria ficado o AMOR? Durante todo o tempo, onde ele residiu?
 
Na clausura da subjetividade. No mundo interno da psique da jovem atriz. Um amor na completa solidão, num mundo só de ilusão. Confinado e isolado no mundo dos sonhos.








Quatro protagonistas meninos e suas reações ante o sofrimento




(CONTÉM SPOILERS)


CASO 1
 
Seita, jovem japonês de aproximadamente 13 anos protagonista do anime Túmulo Dos Vagalumes (1988), é inicialmente bastante idealista e patriótico. Diante das tragédias decorrentes da Segunda Guerra, sua postura vai mudando aos poucos. Embora na maior parte da história seja visto vertendo grossas lágrimas, curiosamente na parte final passa a ficar com semblante frio, como que anestesiado de tudo. Após perder sua pequena irmã (cuja proteção era a razão da existência dele), que morrera de subnutrição, parece perder qualquer fé e esperança. Simplesmente deixa-se morrer por inanição, junto aos mendigos. Sua mente ficou abalada ao ponto de não ver motivos sequer para aceitar algum pedaço de pão que os transeuntes lhe oferecem...
 
CASO 2
 
Florya,  protagonista de Vá E Veja (1985), judeu, aproximadamente 14 anos e um tanto ingênuo, vive na Bielorrússia em pleno ataque dos nazistas, e após perder toda a família e contemplar inimagináveis atos de barbárie, vai aos poucos ficando fisicamente e mentalmente deteriorado, acometido de envelhecimento precoce (um ótimo trabalho de maquiagem, aliás). Mantém-se vivo apenas pela utopia de pretender matar Hitler.
 
CASO 3
 
O garoto polonês e judeu de O Pássaro Pintado (2019), aproximadamente 10-11 anos, anônimo (a revelação do seu nome é um mistério que demorará a ser revelado), vivencia a violência e a truculência vinda de uma tripla fonte: os nazistas, os estalinistas e (principalmente!) do seu próprio meio: camponeses extremamente ignorantes e dominados pela superstição. O resultado é que, após continuadas torturas e visões de horrores banalizados, o garoto perde totalmente a capacidade de falar. Sua mudez não é sequer curada no fim da história. É algo sem solução. Isso reflete a incapacidade de expressar o tamanho do horror.
 
CASO 4
 
O libanês Zain, 12 anos, de Cafarnaum (2018), ao contrário do protagonista de Vá E Veja, tem uma inteligência e sagacidade de raciocínio fora do comum para uma criança. O que faz com que, diante daquela quadro de miséria extrema, abuso sexual infantil, tráfico de pessoas e indiferença de muitos, chegue ao final a uma conclusão de caráter filosófico: “A Vida é uma grande merda. Eu não deveria ter nascido. Pais com incapacidade de criar filhos jamais deveriam tê-los.” Assim, decide processar seu pai e sua mãe, pelo crime de o terem concebido.

O questionamento que fica é: como seria possível manter um suposto juízo racional após vários fatores externos virem a abalar consideravelmente o psicológico da pessoa? Creio que seja um enorme desafio para a Psicologia. Em qualquer caso, só a empatia deve servir como base para nossos julgamentos – se é que devamos julgar.








O Enigma de Outro Mundo – Uma retrospectiva




A saga de ‘O Enigma de Outro Mundo’ começou com a publicação, em 1936, do livro ‘Nas Montanhas da Loucura’ por H. P. Lovecraft. Nele, uma expedição americana na Antártida constituída por estudantes da fictícia Universidade Miskatonic (a mesma do personagem Herbert West de ‘Re-Animator’) descobre vestígios de uma civilização alienígena oculta desde os tempos pré-históricos: os ‘Elder Things’. Eles tinham algumas características em comum com plantas e humanos, e desenvolveram técnicas de criogenia, que, suspeita-se, tiveram papel no desenvolvimento das formas de vida terrestres. Entretanto, as tais técnicas criaram vida própria, escaparam do controle de seus criadores e se transformaram em terríveis seres metamórficos que acabaram por aniquilar os Elder Things e agora se tornaram uma ameaça à humanidade. Essa história é célebre, entre outras coisas, por ser pioneira da teoria dos ‘deuses astronautas’ e de ter servido de inspiração para a saga cinematográfica Alien-Prometheus, em tempos recentes.

Em 1938, John W. Campbell Jr. (também conhecido pelo pseudônimo Don A. Stuart) publicou o conto ‘Who Goes There?’ (no Brasil: ‘Quem Está Aí?’), que pega várias premissas da história de Lovecraft, que obviamente ele já havia lido, já que Campbell Jr. fora editor da própria revista na qual ‘Nas Montanhas da Loucura’ havia sido antes publicada em folhetins. Aqui, uma base de pesquisa americana na Antártida descobre, sob o gelo de milênios, um alienígena com capacidade de se metamorfosear à semelhança de qualquer criatura orgânica. Ele primeiramente tenta se fazer passar por Charnauk, o cão husky da turma, para melhor estudar os humanos às escondidas, mas é então flagrado, e a partir daí passa a se repartir em vários pedaços independentes, espalhando-se pelo ambiente e infectando cada humano que encontrar. A criatura, quando ataca, manifesta-se com ‘olhos vermelhos’ e tentáculos extensivos.

Campbell Jr. produziu ao mesmo tempo uma versão mais extensa da história, classificada como romance, sob o título ‘Frozen Hell’ (no Brasil: ‘O Enigma de Outro Mundo). Esta, porém, só seria publicada após seu falecimento. A única diferença entre as duas versões é que o conto inicia diretamente na parte em que os pesquisadores estão examinando o mostro supostamente morto, enquanto que no romance, há todo o prólogo apresentando as caraterísticas da base na Antártida e introduzindo melhor os personagens.

No cinema, a primeira produção inspirada nestas obras foi ‘The Thing From Another World’ (no Brasil: ‘O Monstro do Ártico’), de 1951, dirigido por Howard Hawks e Christian Nyby. Agora a ação é no Polo Norte, mas as características e nomes dos personagens são todos da obra de Campbell Jr. O mostro, entretanto, é uma forma de vida vegetal, atropomorfizada, o que é mais condizente com a obra de Lovecraft. E nem sequer tem capacidade de mudar de forma livremente. O interessante é que, aqui, estes aspectos de predador-presa num ambiente confinado parecem antecipar ‘Alien - O Oitavo Passageiro’.

Em 1972, foi lançado o filme ‘Horror Express’ (no Brasil: ‘Expresso do Horror’), produção espano-britânica que pega vários elementos de Lovecraft e Campbell Jr. (mas sem creditá-los) e coloca a ação na Sibéria de 1906. Um fóssil do que seria um homem-macaco pré-histórico é descoberto congelado nas montanhas da China e transportado por um antropólogo num expresso transiberiano. A criatura, contudo, revela-se um alienígena ‘disfarçado’ de ser pré-histórico, e passa a contaminar os passageiros do trem, transformando-os num exército de zumbis hipnotizados que deveriam auxiliá-lo a conquistar a Terra. Os recursos e efeitos especiais são precários, mas o clima denso e assustador é marcante.

Em 1982 John Carpenter nos trouxe a versão mais popular, ‘The Thing’ (no Brasil: ‘O Enigma de Outro Mundo’). Razoavelmente fiel ao ‘Frozen Hell’ de Campbell Jr., em termos de enredo, introduz como acréscimo a subtrama de uma base norueguesa na Antártida, paralela à base americana. O monstro, com seu design extremamente deformado, do modo mais horripilante concebível, parece mais condizente com as obras de Lovecraft, neste caso – aliás, a estética do filme é notoriamente ‘lovecraftiana’. Curiosamente, os ‘olhos vermelhos’ da criatura, algo bem presente na narrativa de Campblell Jr., ficaram totalmente de fora nesta versão. Provavelmente, para deixar de lado a impressão de que o alienígena teria uma ‘forma original’.

Em 2011, ainda produziu-se uma espécie de prólogo para o filme anterior, mas com o mesmo título original, o que facilmente confundiu-se com refilmagem. Tentou-se manter os mesmos designs e estética de John Carpenter, mas aqui houve notáveis furos de roteiro – os espertos logo notarão como se perverte o princípio mais básico da Física, o de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço...