domingo, 17 de dezembro de 2017

Eli!...





O temor das feridas vingativas...
O dia iluminado pela radiação flutuante...
Passos furtivos nas madrugadas próximas...
Palavras que arrancam segredos delicados...
Multidões que de ódio esbravejam ao céu...
Comemoramos.

Nunca fora tão distante o velho afago.
Remendos frágeis nos corações.
E agora a missão de sorrir:
Cálculo de perdas e ganhos.

PAI ME AJUDA EU TE

(O espaço negro entre as galáxias.)








quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A chave





Carregados de Sentido e Coração,
vi formarem-se corpos e seus membros,
países e suas bombas,
déspotas em suas sombras
esclarecidas de autojustificação.

Resposta limiar,
imediato levante de soldados analíticos
motivados pelo mais esterilizante
dos fogos-fátuos.

A insular guerra das palavras.

Mas abstrata jamais fora a dor
dos que conheceram o chumbo da mão
do todo-poderoso fantasma
que seus berços embalou.
O ferro da cortina
presenteado por aqueles
que afugentaram o fantasma.
O peso do vazio-inanição
após a tão esperada perda do medo
e a perda da necessidade
de fantasmas e duros metais.

E o presente,
o atual presenteado.
Nada fala,
é todo ouvidos.

E ouve-nos a respondê-lo:
“Haveremos de ter a chave
do sangrento mecanismo,
custe o que custar e doa a quem doer,
mesmo que tenhamos, nós,
de forjá-la!”

(E ri-se o Tempo:
“Esses fetichistas de metais baratos...
tão idênticos
em suas vulgares antinomias...
Gerações e gerações
de superfluidades bípedes
que engolirei
com todo prazer!”)








Aquilo que se fala nas canções





Seu controle-remoto
não funciona a meu favor.
Os pneus do seu carro cantam
sua ingenuidade guinchante.
Pensei que eu havia ajeitado a posição dos móveis,
mas foi só você que errou.
Aquele erro corriqueiro do convívio doméstico
lindamente forçado.

Os classificados sorriem amareladamente
e sobre minha cabeça paira
minha singularidade.
Aquilo que se fala nas canções
ressoou de um ouvido ao outro
estremecedoramente.
Num planalto verde e irreal
ideologicamente plantado em nossa imaginação
tão influenciável,
o quê não parecia seguro
por debaixo do deixar-estar
e do deixar-passar?

E então, antes que alguém se desse por conta,
a ficção mostrou-se palpável;
o desespero, tridimensional;
o inusitado, rotina.
O distante passa a ser agradável
e o desagradável sou eu.

A suprema contradição
de cantar a canção do coração.

Aquilo que se comenta no tabloide,
aquilo que se fofoca na cerca,
todos os comentários acerca
começam a ganhar forma tangível.
Todas as coisas,
todas essas enervantes coisas
que afastam você de mim...
e nós de nós mesmos.

Aquilo, sobretudo.
Sobretudo aquilo.








Angústia de primavera






Sim, é a famosa sensação de inspiração
motivada pelo ambiente e situação.
Cliché dos clichés.

Se, por um breve momento que seja,
minha felicidade for do ambiente ao redor fruto e filho,
percebo quão vulnerável e susceptível sou
às influências do meu estar,
e ainda realmente incapaz
de criar minhas oportunidades.
Dependo assim incondicionalmente do que me ignora,
tiro meu alento do instável,
sustento-me sobre o insustentável.
Comprazo-me com o fugaz
que irracionaliza sobre minha dependência das sensações.
Penso na frivolidade da satisfação
que adquiro do que me é involuntário.
Penso numa nova redenção pessoal,
sempre sabendo que os pensamentos sobrevivem
a cada atitude decepcionante.

No entanto, decepciono-me em amarga sobriedade
e espero que de algo além de minha racionalidade
brote a chance que o mundo me fez crer
que teria com menos dificuldade.

E, num rompante de esperança,
penso que se prevenir e aproveitar
e aguardar e guardar,
terei talvez uma jovial surpresa
que possa perdurar sobre a sensação
que lhe deu a despropositada antevisão.








“Alimente os demônios”





Um Espírito Santo melancólico
baixou em meu apartamento,
mas meus cinco velhos sentidos se calam por um instante
e os novos me surpreendem
não mais tão jovem... e ainda indeciso.
Vejo você seminua, ligeiramente entorpecida,
inacabada como uma escultura de Rodin.
Meu sexo pulsa no compasso do meu coração
– espasmos de um animal enjaulado,
nunca domesticado, selvagem e faminto.
Então descubro:
a paz mais branca e convencional
pode ser atingida
sem drama ou conflitos.

Alimente a criatura:
ela é inocente de ter nascido assim.
Ela descansa com um tipo especial de carinho,
e é somente você que detém a técnica.
O objeto de minha saciedade
não precisa tentar me seduzir a todo momento,
não precisa ocupar todos os meus pensamentos,
não precisa ser a minha razão de viver
e nem mais se justificar.

Alimente os demônios:
você não iria querer ver
o resultado desta negligência
desmoronando sobre o seu mundo cor-de-rosa.
Você não iria querer ouvir
o grito dos demônios...

Alimente e criatura
e você se libertará
dos laços que lhe prendem ao chão,
pois o chão nada mais reivindicará
e você estará
livre e desimpedida
para chegar até Deus.
(Eu disse: até Deus.)

Um Espírito Santo domesticado
baixa em meu sexo
e o meu corpo oscilante,
anticonvencional por um instante,
não é indeciso e não vai desmoronar
com dramas e conflitos
que não dizem respeito a ele.
Meus sete sentidos são portais
para o infinito dos sentidos intocáveis,
intangíveis, imponderáveis, inimagináveis,
insustentáveis fora de seu elemento.

Alimente os seus demônios,
alimente os meus e estamos conversados;
já vencido o inimigo, resta a virtude
desatrelada e plena –
sem carências, sem excessos,
sem goles de champanhe, sem pactos
inumanos.

Não, você não iria querer ouvir,
você não suportaria,
você não sobreviveria;
não faça nunca questão
de imaginar...

o...








quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Groenlândias





Groenlândias,
destino das tristes colônias.
A proa quebra a senda,
sonda a fenda.

São cortantes
os ventos em nosso mirante,
e se é noite ou dia,
só o corpo é guia.

Geleira ao mar.
Vento polar.
Dorsal ao sul.
Baleia azul.

Groenlândias.
A ironia das Islândias.
Suas encostas verdes,
rochas quentes.

(Na distância,
o sol vai circular
epicentros de sonhos.)

Groenlândias.
Raios de ensolarada infância
não projetavam sombras
assim longas.

Carregadas,
as nuvens sobre as temporadas
desfazem-se em cristais,
plurais, fractais.

Geleira ao mar.
Vento polar.
Dorsal ao sul.
Baleia azul.

Groenlândias,
paragens de primeira instância,
pois nos é inevitável
o ponto inalcançável.

(Na distância,
o sol vai circular
suas Flóridas guardadas.)

Groenlândias,
destino das tristes colônias.
A proa quebra a senda,
sonda a fenda,
lenta marcha.








quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Mestres do coito utilitário





Não preciso explicar.
Deixe o seu corpo falar.
Falar sobre o que me moldou
nas entranhas da terra;
sobre o último pôr do sol
que compartilhamos sem desentendimento;
sobre aquela vírgula benigna
que em algum ponto do espaço-tempo
se abriu para minha nova forma.
Considere as mentiras que lhe sustentam,
considere as mentiras que lhe engrandecem
e pergunte a si mesma
se você ainda é uma “cristã”.
Você precisa pecar para sobreviver.
É o que você diz.
Não que eu esteja julgando –
apenas faça o que você sabe fazer.

A hora é agora.

Deixe o antigo pranto morrer
com as memórias que se repõem.
Faça algo com a sua hábil mão
para que algo desperte com destreza
em sua compreensão.
Tentaremos, conseguiremos um meio
de escalarmos a hierarquia venal,
talvez o compatível sucedâneo para
nossa famigerada maldição,
a Grande Decepção Vital.








Diôsefe Macondos, o terror dos psicólogos





Nosso diálogo é mais franco do que consigo suportar. Concordamos em algo, eu sei, mas mera concordância nunca foi suficiente. Pelo visto você é um ótimo profissional – aí é que está toda a tragédia:

Deus sabe que tentei ser normal, em visões cristalizadas fluindo através das partituras amassadas, notas musicais dançando loucas no ar como singulares símbolos fálicos, yones e lingas tratantes e versos horripilantemente sólidos de funérea osmose afrodisíaca envolvendo-nos em paralelismos comportamentais (e comportamentalistas) entre lapsos verbais comprometedores, entre salas e corredores, entre os loucos para fugir das horas e dos minutos – ameaças diminutas –; crises de inspiração psicótica autotrófica e o escambau que... Tá me ouvindo?

Minha testa dói... e a paranoia dobra mais uma esquina em busca de sua vítima. Sei o que acontece em dias assim, ninguém pode me enganar... Não há novidades para quem já se considera mais velho que o universo... e tão inútil quanto. Nunca poderemos descrever o que está além das palavras e das representações dos pseudoartistas que levamos para a cama em espírito todas as madrugadas sem maiores cerimônias. Sim, sabemos tudo e muito pouco; sabemos até demais das teorias assassinas que nos envaideceram sem o prometido prestígio; aprendemos tudo sobre psicologia e esquecemos de nós mesmos... Entre os loucos para curar a loucura falamos de todos os nossos traumas e nada se resolve...

Mas já descobri a solução. Acho que sim, deve ser, talvez – farei com que seja a solução:

Serei outra pessoa. Sou outra pessoa. Andando em círculos num cubículo parmenídico de espaço e tempo... Outra pessoa... recomeçando do zero... num filtro de rugas... que se move e descansa sem nunca se conhecer...

(Ruídos de dentes rangendo)

(Ruído de papel sendo amassado)








O trato





Eu vejo com seus olhos,
cheiro com seus lábios secos,
choro o suplício carnal do seu corpo mirrado,
assim, atado à cama branca e estreita.
Devo, porém, cumprir o trato...
 
Nenhuma mancha fere a parede caiada,
nada mais zomba
das cicatrizes mal dissimuladas,
ninguém mais ri da sua piada velha.
Por favor, não pense tanto.
Você não precisa fazer nada, e nem o poderia;
confie em mim.
Apenas sinta-me correr em suas veias,
dançar sinuoso e azul nos espaços vazios
da sua memória torturada.
Sinta-me pulsar em seu peito.
A angústia está além de seu conceito;
certamente não é um conceito
que lhe faz gemer.
Conceitos, meu amigo,
não têm sangue, nem carne, nem podem
se arrepender inutilmente.
Meu delicioso amigo,
é triste, mas inevitável.
Faz parte da morte.
Juntos nos acabamos:
Shakespeare adoraria essa.
Você me chamou, agora me rejeita;
mas não vou me remoer por isso.
Minha fidelidade transcende sua incompreensão.
 
Você me recebe com esses anticorpos
mal treinados, pobrezinhos...
Só eu posso controlar o meu ciclo
e minhas mutações.
Já para você isso é pecado;
eu conheço o seu deus.
Conheço muito bem você também,
mais do que você mesmo,
porque lhe conheço por dentro...
 
No fundo eu admiro você.
Temos muito em comum:
desconheço minha razão de ser,
muito menos meu dever.
Apenas o cumpro.
Aquele carpinteiro do Pequod,
lembra? Moby Dick.
Fazendo caixões,
fazendo próteses de pernas.
O cara nem sabia por que ele fazia as coisas.
Apenas ia em frente.
 
É assim que deslizamos
rumo ao nosso destino.
Ao grande inevitável.
Simplesmente afundamos,
e sem mais explicações.
 
Como fazem os deuses
e todas as bolsas de sangue
que julgam pensar e sentir.









Um dia ele vai voltar (não culpe o ácido)*





(Sim, ele voltará.
Cérebro meio destruído por ácido,
sonhos liquefeitos escapando das molduras.)

I

O homem que feriu você voltará um dia,
com a melhor desculpa
desde as oficiais lágrimas americanas
sobre Hiroshima.
Na mão, alguma compensação
ainda não reconhecida pela Justiça.
Um pouco de diálogo,
lembranças de algo que só existiu
na mente daquela que um dia amou de olhos fechados
e que agora querem voltar a se fechar.
Quando ele abraçar você
e pedir outra incondicional rendição,
saiba que os únicos idiotas que o mundo não tolera
são os desprovidos de malícia.

(Ainda somos fãs dele.)

II

Ele vai chegar, sim,
o bom Espírito do Natal,
com todo o encanto dos sinos e dos cantos,
mais sutil que a mais mortal sombra.
Você se pergunta se a barba dele é legal de puxar,
e como as renas aprenderam a voar;
se o calor do verão tropical
não o força a tirar o casacão,
e porque os presentes
estavam antes escondidos no porão;
e tem a dura certeza
de que suas cartas ao Polo Norte foram ignoradas
ou transviadas para não se sabe onde.

(Ele era um cara legal,
mas não o reconheceríamos hoje.)

III

“As trombetas soarão,
os céus estremecerão,
– cumprir-se-ão as profecias!
O Cordeiro ocupará o seu trono
e julgará as nações.
Quando ele voltar,
radiante, onipotente,
onipresente como a Mitologia
e implacável como o Desespero,
e fizer então a rígida separação,
será inaugurada a tão esperada
Era da Redenção Pós-Tecnológica.
O sorriso dos eleitos engolirá suas orelhas
e todo o seu passado de iniquidades,
como fogo eterno engolindo os discernidores.
Tremei, devedores do dízimo!
Ele chegará feito um relâmpago
de horizonte a horizonte
e ninguém diga: ‘vamos lá’, ou ‘venham aqui’,
pois sua glória brilhará
nos meandros da Internet.

(Eu assisti suas performances
na última encarnação.)

IV

Ligue a TV! Ele vai chegar
com o mesmo sorriso de candidato
beijador de criancinhas;
voltará com uma arma mais possante
do que aquela que arrasou meu habitat.
Um passado reformulado,
por quem bem entende de reformas
(sobretudo em jardins).
Uma esportiva imagem de inocência
pedindo paciência e atenção,
ainda lamentando, discretamente, o trágico fim
de um conhecido arquivo humano.
Quando ele voltar,
trará consigo toda uma legião
de continuadores da velha tradição.
A tradição que, afinal,
jamais fora um homem.

(Magia?
Ah, você a procurava também...
E ainda procura, eu sei.
Não culpe o ácido.
Algo mais sedimentou a rebeldia,
corroeu a utopia não vigilante
que pouco se esforçou para entender...
Em algum lugar repousa a fé
nas imaginativas tentativas de canalização
das mais urgentes revoltas.
Mas aquilo que renovaria o mundo
já fechou todas as portas
de sua revolucionária percepção.
Cinco décadas perdidas
e agora...)

V

Uma ideia corroída,
uma sombra alva de pureza,
um semblante à imagem do Super-Homem que matou Deus,
um emblema invertido extraído
de sagradas iconografias e...
algo já voltou,
porque nunca se foi.
Diante da bandeira
as massas estendem as mãos
num espasmo de orgulho e jovialidade,
ampliando os horizontes de sua doutrina.
Os puros e corretos,
agremiados em singulares academias
onde aprendem a massacrar seus dessemelhantes.
Puros... e prontos para purgar o mundo
da escória humana.
Eles estão entre nós
e, através de sua juventude,
talvez ele nos observe à espreita.

Um dia
ele vai nos matar.

(A magia que você procura
será relançada na mais alta qualidade digital.)








* Título alternativo: “Post-rock drama”

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Amor





Ela gostava de ficar deitada na grama
e admirar as curvas de seu novo corpo.
De orvalho impregnara-se o ninho,
mas pôde comprazer-se a ave
que, sem grande esforço,
em breve alcançara a torre.
Ele a tudo admirava,
e diversas eram suas reações ao admirado.
A tela ainda branca,
mas a mente plena de primaveras
impossíveis de ser retratadas.

Já não há mais sangue, já não há mais sede.
Os pés deixando de ser percebidos.
E os gerânios jovens não fazem ruído
crescendo ao longo da alameda verde.







quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O ventríloquo perfeito





Eu sou o ventríloquo perfeito,
de uma raça perfeita de
tomates falantes.

Um perfeito cáqui
nos palcos dos teatros escolares
que me garantiram o êxito
em minha infância prodigiosa.

Hoje murcho
de prazeres ligeiros,
acumulados durante uma vida
sabugosa de visconde.

Hálito artificioso,
trabalhoso ofício entre os lábios
que me querem sugar.
Vendendo minha arte aos tomistas-aristotelistas teleológicos
que tudo veem do alto e minúsculo.

Ai como sou certinho às vezes.

Ai como passo de fininho entre os estrondos
das trombetas wagnerianas eternamente presunçosas
de terem supostamente derrubado a muralha que ruí
com meu dedinho.

E entre os ufos ainda faz-se a dúvida acerca
da origem (poética) daquela incomensurável
supernova cor de laranja.