quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Diôsefe Macondos, o andarilho cyberpunk




– Compro ouro.
– Compro cabelo.
– Olha os churros!
– E aí, bonitão. Vamo fazê um programa?

Pareço com o quê? Isso realmente me preocupa. Porque me parece, afinal, inútil o preocupar-se com o tal do “ser”. Já me acostumei com meu constante não ser… Algo óbvio demais, enjoativo… Com o quê devo parecer?

– Pastel de carne com suco, promoção.

Ah ah ahgora sim, consegui! Pelo menos no dia de hoje… consegui: sair de casa com um visual tal que concilie o sentir-se por dentro e o causar alguma impressão externa de parecença. É estranho, eu sei, mas é fato que um corte de cabelo significativo e uma calça customizada dizem alguma coisa, e dizem mais alto e claro do que minha voz conseguiria dizer. E os acessórios, os detalhes minuciosamente inspirados nos figurinos cinematográficos que mais falam sobre a minha vida urrarão ao mundo toda a angústia do ser-não-ser que sempre passa por nós nas calçadas (e calçadões) dessa cidade insandecidamente decadente que nem sequer sei dizer se é um exemplo de típica capital de um estado brasileiro ou uma cosmópolis sul-americana de caráter indeterminado e indefinível. (Porto Alegre e eu somos o mesmo Absurdo.)

Panfleto caído no chão: “Extraordinária médium e vidente Mãe Naná, traz seu Amor na velocidade da luz.” De Megafone: “Incrível torra-torra no Balaião da Moda!”

Se tudo é redutível a sexo, meu onanismo matinal não esvaziou em nada este ultra desejo dinamítico mítico de tão selvático: todas as minhas loucuras convergem para minha ereção caminhante enquanto caminhando vou sem rumo. É óbvio que acabarei me enfiando em alguma coisa, e muito provavelmente algo ou alguém se enfiará em mim. (Preparei meus fundilhos e minha pistola sexual para a eventualidade-necessidade.)

Letreiro: “Menos preço é no Atacadão-Sacolão do Paulão.” Cartaz no poste: “Jesus breve voltará.”

Ainda sob o efeito idiossincrático da soma de todos os livros lidos e abandonados, vou tocando para frente os meus vinte e três anos de massa corporal e vaporosidade aural. O mundo me penetra e eu o penetro igualmente sem pudor.

– Uns trocadinho aí, tio?
– Vai uma graxa aí nos coturno, tio?

O tonel-fogueira concentra os mendigos – luzes das janelas do trem aéreo voam ao longe  cores em escala Pantone no céu crepuscular – vapores saídos das portas que cortam o breu – concentração surreal de sujeiras nas sarjetas – gotas de gasolina formam nebulosas coloridas em poças – pernas magras e nuas saídas de um casacão – cheiro de álcool e cânhamo barato – cães magros movidos pelo medo – luz se acende no banheiro do mais alto edifício – estou chorando e rindo, ninguém mais me vê… Entro e saio do bar: as estrelas ao menos continuam lá para ser apreciadas.

Cartaz numa parede: “Conferencista espírita José Maria convida você para o grande simpósio temático: as delícias da castidade.”







quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Caramelo IV





Efervescido pertencimento deste doméstico fomento,
Diletantemente se espraia para além da bolha caduca
E infecta até mesmo os escravos-senhores que educa
Ao químico estímulo, um ultramarino investimento.

Sabor morango, sabor guaraná, um aroma promissor
Da felicidade embalável, moeda-produto estocável
Nos bancos de sangue e plasma de nações tão subjugáveis
Em troca de atrativos fáceis de se deglutir ao fervor

Da angústia familiar às crianças que não crescerão,
Falhados gigantes sedados de açúcar em seus corações:
A filosofia da encefálica atrofia haverá de engrenar?

Pois lesos seguimos da cor e do atrativo assimilados,
Sorvendo, da rotina, o aditivo mental ofertado
Da senda-vivenda sabor morango, sabor guaraná.