sábado, 24 de agosto de 2024

As cidades em que nunca morei






Me encontre lá,
onde o sol se põe,
a lembrança de uma cena que sonhei.
O chamado soa,
uma canção ressoa
das cidades em que eu nunca morei.

Janelas abertas
para a vida entrar;
ruas e calçadas, traçado painel.
Poder ser quem sou
sem ter de escolher
as palavras e os gestos sob o céu.

Um lugar
onde se possa caminhar
e não marchar, compartilhada trilha
de emoções.
Somos dois, somos milhões
de andarilhos
nessa busca de uma terra de promissão,
ou uma brecha
na organização.

Quando conheci
alguém que já viu
o vislumbre do meu sonho estimado,
parecia haver 
um sinal em meio ao caos,
a presença da esperança ao meu lado.

Num instante,
aquela intimidade amante
há tempos esquecida
fez-se da vida a razão.
Os cinemas da ilusão
não poderiam jamais suplantar
a certeza de ser real
o nosso mútuo ideal.

Me encontre lá,
onde o sol nascerá,
o retorno do único honorável rei.
Sucessão de luas
até ganharmos as ruas
das cidades em que eu nunca morei.

As cidades em que eu nunca morei.
As cidades em que eu nunca morei.








domingo, 11 de agosto de 2024

Ratos II / Ruínas




(Estupefatos, os ratos amestrados
entre canos acrílicos
não reconhecem o ambiente.)
 
Ziguezagueando pelo escombro superpovoado,
o míssil teleguiado faz a curva impossível
rumo às crias da sarjeta;
a Dama da Escopeta me puxa para fora
do vapor intoxicante
e seguimos adiante por caminhos separados,
interligados pelos códigos assimilados.
E do desnível, a cerca invisível
feita propositalmente para a eletrocussão
por indução psicológica,
convulsão espasmódica costumeira na armadilha,
os céus de baunilha como um sonho lúcido
deixam translúcida a sanha pelo extermínio;
carcaças de alumínio e titânio e silício pensante
soerguem-se como gigantes
sem um criador benevolente,
enquanto os crentes num inferno redentor
pela ocupação produtiva,
em carne viva, na dor cativa,
caem um a um, dominós dominados,
Iluminados pela luz clínica
do cinismo ciclotímico
do registro audiovideogravado
viralizado pelos labirintos
por onde somos canalizados.
Escoando vou, e você vem,
se esgueirando pelo túnel do trem semi-inundado
até às ruínas do que fora uma estação,
antes da radiação
evacuadora da civilização.
E, de repente, alguém está ali ao lado da roleta:
a Dama da Escopeta.
(E ela diz: "Chega de rimas".)