Tu me seguias
como se o caminho não fosse só meu; como se dele não tivesses medo algum. Assim
como nunca temi tuas cicatrizes autoprovocadas, os cortes e as queimaduras dos
cigarros que tu acendias com o único propósito de render-te ao destino dito
incontrolável. Tu te regeneravas meio que sem querer; olhava outra vez o
caminho adiante como se algum dia viesse a te pertencer... Dormindo
instantaneamente na cama ao meu lado assim que caía nela, tão bêbado como um
mosquito num mictório onde entrou Rimbaud; e no outro dia já obcecado e
maravilhado até o êxtase com cada feiura e bizarrice que eu possuía em minha
velha casa, tua conquista e reinado – não! Quero-te com minha luz, as novas
luzes de cada novidade habitável. O que puder te acender, reconciliar com o sol
do qual foges com um ímpeto de descuidada despaixão.
Tu me escapas,
nas praças e parques não paras para conversas que não sejam de curta duração,
só para eu te perder no fim da tarde e no início dos açoites que ardem meu
desejo mais incomunicável, em instantes de despedida – e novamente não nos
despedimos: te perco ao longo da faixa da aurora sidérea.
E já em casa
(cada casa em que me refugio) me agarro sofregamente a cada fetiche-avatar em
que prendi tua projeção, imaginando que abraço teu corpo absurdamente perfeito
– perfeito em cada marca e cada espinha e bactérias comensalistas inocentadas
em teu estômago de éter. Beijo o ar, os armários, as paredes, os cucos calados
dos relógios invisíveis – pois tu te manifestas em tudo que vejo, entrevejo e
imagino entrever, sorrindo e rindo tua risada inconfundível e as caretas de
desenho animado que mesmo toda aquela máscara de roqueiro depressivo não
consegue conter, me arrancando da paz sem desejo, sem corpo, sem precisão...
Jamais descansando da roda ardente, da espiral da serpente... e não entendes
nada disso; meus dramas e comédias te escapam eternamente – não sei
ainda dizer se é por desprezo ou simples inocência. Jamais conseguiria te
odiar... Posso apenas, por agora, dormir na companhia de mais um belo substituto. Como um bichinho de pelúcia para uma criança. Ou a lembrança daquele certo brinquedo presente no mais estranho sonho da minha infância (eu o chamava “Coração”).
Pequeno Coração,
assim o chamavam,
Aquilo que se foi
sem nunca ter ido.
Um amigo da luz,
ao sol despertava,
Sem saber que o Sol por ele era atraído.
Por entre os canteiros colore-se o
moço
De acenos das telúricas energias;
Um poema viril lhe desenvolve o torso
E corpos são música da áurea geometria.
Um irrequieto vendaval de olhos de
oliva passa por tua vida e deixa estilhaços de avatares facilmente
saboreáveis, mas de todo desiguais ao Adorado Adorável – e o quê te resta? A
“sagrada paciência” e um sabor anacrônico de martírio.
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