domingo, 2 de dezembro de 2018

A coisa que dá medo





Em minha tenra juventude,
na minha mais terna atitude,
eu colecionava revistas
como Fangoria, Gorezone
e os pôsteres dos filmes
e eu sabia que os monstros
eram feitos de massinha,
stop motion, animatronix,
practical effects
e nada era sério,
como o olho saltante
de Henrietta Knowby,
como caretas protéticas,
hilários esquartejamentos.

A gente sabia
que ao terminar o dia,
as sombras da noite suburbana
só trariam Legião Urbana no violão
e os mosquitos.
Fitas pra rebobinar.

Mas durante todo tempo,
iam se criando secretamente
coisas obscuras, rastejantes, repelentes,
incubadas nas casas e nas mentes,
que nenhum dos velhos monstros
poderia superar,
ou mesmo igualar.
E os pesadelos de outrora
viraram um museu mimoso
de um tempo saudoso.

A menininha do corredor
não soube digerir a dor
e a menina do poço
não soube lidar com o desgosto.
Os zumbis esfomeados
encurralaram os descerebrados
e os palhaços assassinos
já não atraem os meninos mais.

E com lógica crua,
o horror ganhou as ruas,
as mesas dos churrascos,
glorificando carrascos,
vestiu-se nas crianças
em novos passos de dança,
em megafones, púlpitos,
em repartições públicas,
ambientes de trabalho,
toda invasiva tralha
televisiva, discursiva,
interativa, abusiva,
engolidora como uma bolha açucarada
para mimados sociopatas,
alimentados pelo alarido
de um mundo decaído.

E para nos consolar,
logo acima de nós
brilham ofuscantes
cavalheirescos e galantes vampiros
sob a luz do sol.

A menininha do corredor
não soube digerir a dor
e a menina do poço
não soube lidar com o desgosto.
Os zumbis esfomeados
encurralaram os descerebrados
e os palhaços assassinos
já não atraem os meninos mais.








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