quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Nirvanas I




Você ainda pode ouvir os passos na calçada,
as risadas das crianças que um dia envelhecerão,
o sangue chiando dentro da sua cabeça
e toda uma maquinaria complexa
que lhe faz chorar
sem identificar o motivo imediato
e um renovado gosto de vergonha
muito particular.
Os carros e aviões que passam velozes
não consolam as dores da humanidade
e há ainda uma dor à parte do resto dela
– esta que veste o sorriso mais brilhante
e que nas profundezas
da grande decepção da espécie
é o grito mudo de um torturado inerte.
Quem dera fosse apenas um personagem...
Um eu-lírico palerma qualquer...
 
Você canta, toca, escreve
mais uma canção
e se pergunta pelo porquê disto tudo.
Como muitos antes de você.
Quem ou o quê estará no controle
disso que se chama você?
Você realmente existe?
 
Edifícios novos desabam.
Poeira se levanta.
Um dia você não mais levantará
– talvez uma profecia
dos fantasmas que lhe antecederam
e abriram caminho para você
por entre as velhas ruínas.
 
E se alguém batesse à porta?
E se o telefone tocasse?
E se uma nova força oculta
ganhasse o controle?
Quantos existem
dentro desta imagem caminhante?
 
E o caminhar para.
Todos saberão da notícia.
Todos comentarão
(sobre o que não entendem bulhufas).
E os sons e os silêncios persistirão
espargidos como cinzas
sobre os rios e os peixes.








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