quarta-feira, 27 de novembro de 2013
O seu mais profundo conforto
Os planetas das órbitas internas
já foram todos pulverizados
e você dizia que não tinha nada a ver com isso.
Uma coisa sinistra e colossal
se desprendeu da Nuvem de Oort
e você dizia que nada podia ser feito.
Você já tinha visto a fissura na estrutura
de nossa espaçonave-ilha sustentável
e não se julgou o responsável.
Você entregou nossa civilização
ao grande sorvedouro gravitacional
na falta de uma opção melhor
surgida em sua pobre imaginação.
Descanse na paz
do seu túmulo de vácuo.
Você bem sabia
que nenhum verme viveria
para roer seu fóssil gelado.
A lenta justiça da entropia
jamais fora sua preocupação.
Você sempre orou para a Deusa Física
ansiando por um grande colapso...
apenas para no final de tudo
poder se dizer o único que teve
todos os seus maiores desejos atendidos.
Mas eu estou aqui.
Sempre aqui.
Onde quer que você esteja.
Para sempre piscando diante de você
com meus feixes luminosos de longo alcance
cortando e quebrando e invadindo
a escuridão
do seu tão facilmente conquistado conforto.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
O apego
Pedras guardadas reclamam a distância e a separação – pedrarias montanhosas choram a rústica e bruta extração.
Toda dor
que uma criança consegue conter em seus pequenos olhos... suplantada
pela dor que não consegue conter... O derramamento incontido de
soluços, silenciado nas sombras das celas domésticas... Cruzes,
lápides e marcos de cemitérios e depósitos de cadáveres de todo
um universo agora tremem com cada ligeiro pensamento de um retorno...
à infâmia da dependência.
Direta
ou mediada.
Bruta ou
sublimada...
Somos o
pilar e o pilão. O monolito e a lajota. Distância, separação
corrosiva retratada nas entranhas, nas paredes intumescidas da alma.
Calma violentada, saídas utópicas para o irremediável. A máxima
dor teórica posta em prática e aplaudida. A seriedade do discurso
mais hipnótico, condicionando-nos à dilaceração – não podemos
negar que nos corrompemos. Permanecemos na mágoa e no pranto
saboroso; vertemos irrisórias fontes de esperança requentada. E a
reencarnação combatida por parapsicólogos espalhafatosos,
histriônicos, ensandecidos de razão e vontade de ver o sangue
jorrar.
“As
pedras nunca mais serão jogadas”, dizem elas. As águas. Não
geradas. Uma pulsão pusilânime que aponta para um medo ancestral, hereditário,
coletivo nos arquivos da alma. Culpados por isso? Jorrando e jorrados
desde sempre e para sempre; catando vida pelas trilhas
escurecidas/anoitecidas que conduzem à viela dos minérios.
Cemitérios.
Carbonizamos desafetos despidos. Crentes sem um paraíso: pura dor,
puro horror, horror puro inexprimível em palavras amanhecidas e
dormidas. Cadavérica forma incerta de realçadas feições – são
elas; nós bem podemos reconhecê-las; são as vidas reclamadas,
exigidas e já destituídas de som, cor, forma e qualquer expressão minimamente familiar.
Não
mais correrão as crianças. Lindos contos condicionantes às camas
atávicas. O fausto em ornamentos repulsivos de indecoros previstos. Dureza das decisões ensanguentadas dos desamantes.
Não,
não podemos crer que somos nós, nem nossas imagens. Críamos em
saltos evolutivos, em liberdades de expressão em tempos de opressão
autóctone. Mas agora é a dor que vem mostrar seu rosto, pupilas
vazadas – olhos arrancados – outras faces que nunca tiveram olhos
– bom para elas. Bom nos últimos tempos, nos últimos dias e
instantes dos aguardantes impacientes do Armagedom vulcânico tantas
vezes citado nas páginas que queimamos nas praças públicas de
nossas ridículas e infantiloides vitórias mentais.
Os
relicários de minutos produzem sonolências abstrativas. Nada é
conforto real. Tudo é fuga descompassada, tudo foge! Porque
guardando sonos/sonhos compactados em valises quadridimensionais, bolsas
sinistras, sacolas e sacos musguentos – meu Deus! –, corremos em
nossa fuga, em nossa dor subitamente acometida, tangidos pela explosiva lembrança do distanciamento jamais esquecido. Tudo em nós, tudo
gravado em nosso peito e abdômen, sim, inexoravelmente fazendo-se
chamariz do remoído remorso inexplicável, inextrincável – ável.
Luminosa expectativa de uma queda interminável.
Nada
esquecido, nada banido. As almas e os órgãos internos gemem porque
não têm mais força para berrar de desespero. Os externos
gemebundam ao retê-lo sem o saber. Abandonamos o Saber.
São as
dores do querer. Os amores e o sofrer – sofremos por rimas! E
continuamos.
Ah,
livrem-me da tarefa de descrever... a fração do colapso... a ação
do tempo sobre a pele... luzindo brontossáuricas tormentas arrasadoras de plátanos acetinados, lisos alisamentos consoladores... Por que
voltamos aos terrores? Por que vagamos em nossas estradas e
estertores? Paraísos impossíveis... Por que nos enganaram tanto
desde a infância?
As
pedras! Choram. Desde sempre em nós. Voltem, ah! Voltem à sua
justaposição inercial identitária; voltem sem alarde e sem medida
de tempo-regresso, valentes! Ilusoriamente longe, longe em nós, é lá que
guardamos os sonhos e os medos, os mais adoráveis segredos que nos
sustentam todos os dias... dias de fantasmais utopias. Valentes,
valentes nos críamos. Nunca mais...
Nunca
mais. Nunca poderemos reter em nós o minério e tampouco a
concretização do mistério. Nossos arquivos de ideários – pranteiam e
pranteiam como nossas almas desmembradas.
Nosso
riso: caudaloso em esfera medianímica. Perdemos o ciso. A dor deixa
seu rastro, e seguimos o prazer sobrevivente.
Sigam-me,
sigam-me sem receio algum. Confiem: nada prometo – o mundo já deu
sua palavra. Será nossa, portanto, a beleza herdada... se apenas
pudermos salvar seu sabor vivo e o veículo de sua livre
manifestação!
Salve,
salve, salve...
quinta-feira, 4 de julho de 2013
Educação e desinformação (Conclusões / Soluções)
Conclusões. Soluções possíveis.
Devemos
admitir, não sem uma certa vergonha pela nossa tradicional
passividade ante a coisa pública, que as soluções para problemas
tais como crescimento demográfico desmedido, doenças sexualmente
transmissíveis, desemprego, violência, dominação política e
ideológica se constituem, em termos materiais, mais fáceis de
resolver do que supúnhamos, como este trabalho bem tenta demonstrar.
Qualquer
solução passa pela questão da informação, quando
transformada em conhecimento – um saber útil.
Mas,
por que então se diz que o solucionar é apenas “materialmente”
fácil? Diz-se tão-somente devido às barreiras impostas pelas
facções detentoras de maior poder e informação. E o que indica a
existência de tal empecilho? O indica a própria simplicidade
de implantação deste defendido plano de esclarecimento público em
aspectos familiar, escolar e midiático. Os recursos para isso estão,
por assim dizer, totalmente à disposição das autoridades políticas
e dos grupos empresariais inegavelmente influentes.
Sabe-se
agora o quão “lucrativa” é a pobreza, para a facção
dicotomicamente oposta. Vemos os exemplos; vemos o que costuma
ocorrer em vésperas de eleições: um eleitorado marginalizado a se
arrastar pelo pouco de alento que o candidato lhes oferece, logo
depois agradecidíssimo pela “caridade”.
Vemos
não só uma coação de informação, mas um declarado empecilho à
educação popular – bastando lembrar a dificuldade que é a implantação da Filosofia como disciplina
obrigatória no ensino público no Brasil.
Mas
o pior de tudo consiste na ampla divulgação, por parte do governo e
dos meios de comunicação em geral, de um modelo social imposto como
inevitável, copiado da “lei da selva”: uma sociedade que não
pode se sustentar fora do paradigma da competição,
transferindo até para a dimensão individual o conhecido mote das
relações empresariais. Não se fala em cooperação como
opção de ordem social, como que justificando a afirmativa de
Hobbes: “o homem é o lobo do homem”. E o resultado disso tudo só
poderia ser a marginalização.
Assim,
com toda a certeza, podemos afirmar ser o conhecimento a chave da
verdadeira liberdade – a liberdade à qual visa a ética, e nunca a
“liberdade da raposa no galinheiro”, para citar uma metáfora
socialista.
Como
a resposta para tantas calamidades sociais passa pela educação e
pela informação, segue-se que o estímulo à ignorância e à
alienação constitui a base da miséria material e moral de um povo.
.............................................................
A
título de complemento, coloco aqui uma relação de lembretes úteis,
já divulgados por mim em um panfleto apolítico intitulado “pequenas
dicas para mudar o mundo”:
SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Geralmente
estão relacionadas a um processo de crença e descrença.
*
Não acredite que a vitória numa guerra traga paz. A nação que sai
derrotada sempre se impregna de rancores nacionalistas.
*
Não acredite em tudo que é divulgado pela imprensa em geral.
Procure conhecer bem os jornalistas e os ditos formadores de opinião.
É facílimo utilizar os meios de comunicação para ovacionar os
mesquinhos e denegrir os justos. Desconfiar é tão saudável quanto
confiar...
*
Não tome por novas e revolucionárias as concepções de ordem
social já comprovadamente falhas. Procure conhecer a História que a
escola não ensina.
*
Procure conhecer seus direitos – os universais, declarados pela
ONU, e os constitucionais.
*
Não acredite em todas as propagandas, mas divulgue honestamente
aquilo em que você acredita.
*
Não aceite como artigo de fé aquilo que não passar pelo crivo da
razão, e quanto às questões que não dizem respeito à religião
mas mesmo assim são abordadas por ela, não creia em absoluto antes
que se torne consenso na comunidade científica.
*
Acredite que há outras formas de viver socialmente. Sempre há
lugares que combinem com o seu jeito de ser. Sempre há pessoas
parecidas com você. Comunique-se!
*
Não acredite em uma coisa só porque ela é bombástica e grandiosa.
Lembre-se: a verdade às vezes é bem sutil, e pode passar
despercebida pela maioria das pessoas.
*
Não acredite que a competição seja uma garantia de ordem
social. Ao contrário; creia sempre na cooperação. Fracos e
desajustados merecem oportunidades.
*
Creia que você possui grandes talentos e capacidades. É só
descobri-los ou desenvolvê-los plenamente com estudos persistentes.
*
Procure conhecer as ideologias políticas, suas origens e diferenças.
Não adianta se queixar mais tarde!
*
Não creia que o melhor da música e das artes em geral seja
necessariamente aquilo que a mídia divulga: coisas que a rádio não
toca e a TV não mostra, por não fecharem com seus interesses e de
seus patrocinadores.
*
O controle da sociedade pertence àqueles que detém maior
conhecimento. Quanto mais você souber, menos será dominado e
enganado.
*
Não tenha vergonha de ser justo e caridoso, mas também não se
envaideça por isso. Os gestos bons devem ser feitos com
naturalidade.
*
Não creia que amor e amizade sejam coisas diferentes. Mas aprenda a
distinguir os vários tipos de amor.
*
Aprecie tudo o que não faz mal. Esse é o trunfo dos bons otimistas:
só pelo fato de algo não provocar dano a ninguém, já pode ser
admirado. Assim, podemos ampliar nossos gostos e restringir o ódio
apenas contra aquilo que merecer mesmo ser odiado, ou seja, tudo
que puder ser fonte de sofrimento. Resultado: sentimos menos
raiva à toa e nos incomodamos menos por problemas pequenos. Seremos
mais “gostadores” e menos “odiadores” – e tudo isso implica
em saúde física e espiritual.
*
Por fim, não duvide dos seus sentimentos autênticos; não duvide da
fé pura e do amor puro, a despeito de tudo que a assim chamada
civilização fizer para coagi-lo a ser um androide paranoico.
ENTRE EM CONTATO:
lobonaneve@gmail.com
BIBLIOGRAFIA
- FONSECA, António Manuel. Personalidade, projectos vocacionais e formação pessoal e social. Porto Codex: Porto Editora, 1994.
- GENTILI, Paulo. Pedagogia da exclusão. Crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. 308p.
- GHIRALDELLI JR., Paulo. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990. 240p.
- PIMENTA, Selma Garrido. Orientação vocacional e decisão. Estudo crítico da situação no Brasil. São Paulo: Ed. Loyola, 1979. 136p.
São
Leopoldo, junho de 2002
Educação e desinformação (Parte 3 – O papel dos meios de comunicação)
A Mídia Pedagógica. Como os meios de comunicação nos formam e como poderemos nos aproveitar disso para melhorar a sociedade. Redimindo a máquina da desinformação.
Abordaremos agora a problemática acerca do papel que os meios de comunicação exercem na formação do indivíduo.
“Formação”
de um indivíduo sugere de imediato “educação”. Já vimos que
esta não pode, em última instância, ser privilégio exclusivo do
sistema escolar – e, mesmo assim, em qualquer biblioteca que se
preze, onde há um corredor ou uma estante dedicados ao tema
Educação, quase todos os volumes encontráveis versam sobre a
educação no contexto escolar.
Uma
análise antropológica do assunto revelaria uma série enorme de
fatores que levam à formação do ser humano, no campo da educação.
Mas, em qualquer sentido que olhemos, não conseguiremos fugir do
tema comunicação.
Conhecemos
muito bem qual o caráter da maior revolução tecnológica dos
últimos tempos – o conjunto de tecnologias que promove os meios
ágeis e amplos de processamento de informação. A informação
consiste, dessa forma, numa autêntica moeda corrente para os tempos
atuais, e, mais que isso, como já vimos, pode ela servir de
mecanismo de controle social, pois é histórico que os detentores de
maior informação (veja bem: não conhecimento, embora as
implicâncias sejam um tanto semelhantes) tenham controle sobre os
indivíduos menos informados.
E
que atitude pretende-se aqui defender? É a seguinte: que os meios de
comunicação de massa (televisão, publicações, o próprio
ciberespaço etc.) possam ser
efetivados como instrumento educacional positivo e construtivo, pois
que, de qualquer forma, estão eles a nos “educar”, no sentido de
“condicionar” e “formar”, quer nos apercebamos disso ou não.
Como
o conceito popular de “educação” já sugere, de imediato, algo
modorrento e tedioso, é compreensível que o povo em sua totalidade
repudie ser “educado” quando podia muito bem se valer dos meios
de comunicação de massa como veículo de entretenimento para suas
vidas tão sofridas...
Logo
se percebe, assim, que a institucionalização da educação tem
enveredado por caminhos errados, ao ignorar os meios de assimilação
condizentes com as aspirações humanas mais essenciais. As crianças
percebem isso, e muito bem, mas não sabem como dizê-lo. Ir à
escola, para elas, é geralmente um fardo, uma obrigação,
mas não uma iniciativa. Isso porque não se costuma utilizar, no
ambiente escolar, as deixas do natural instinto de curiosidade do ser
humano – algo dentre o que temos de mais sagrado! – com fins
pedagógicos.
Portanto,
deve-se fazer uso da atratibilidade em matéria de educação.
Mesmo
que se consiga implantar um programa de reestruturação do ensino
público e, quiçá, distribuir para o povo uma cartilha de
planejamento familiar, estas medidas podem bem ser antecedidas, por
fatores práticos, pelo já referido uso diligente da comunicação
de massa – mas do tipo ao qual todos tenham acesso.
Não
nos referimos, por sinal, à Internet. Nos países menos
desenvolvidos, onde a desinformação alcança sua culminância, o
computador ainda constitui um luxo para a maior parte das pessoas, e,
de qualquer forma, por debaixo do seu caráter “optativo” que
deixa-nos inteiramente livres para escolher nossa “programação”,
pode se ocultar uma ainda maior manipulação – o indivíduo se fia
inteiramente naquilo que crê seja uma benéfica liberdade e
autonomia, mas... a busca pela informação via Internet se dá com
que critérios de escolha? Pessoas de pouca formação ou até pouco
caráter não conseguem fazer bom uso das comunicações
informatizadas, pois só escolhem o que já atende à sua ignorância.
O critério da busca pela informação já é preconcebido,
preconceituoso, irrefletidamente, porque condicionado. Assim, não se
quebra a barreira da desinformação massificada.
Qual
seria, então, o meio perfeito para instrução pública, acessível,
barato, atraente e popular, que poderia agora entrar em todas as
casas – sobretudo nas mais inóspitas e miseráveis?
Eis
aqui um cenário.
Uma
noite qualquer, em um dos mais simplórios casebres do mais precário
conjunto habitacional brasileiro (a favela), onde faltam muitos itens
de comodidade ocidental, é difícil não depararmos com um grupo
humano reunido em torno de um aparelho de TV, absorvidos pela
contemplação de uma imagem de realidade que possa transcender, de
forma virtualizada, a dura e triste realidade factual que se impõe
ao redor.
É
a este escapismo, à guisa de transcendência, que costumamos chamar
“horário nobre”.
Imaginemos
agora o gigantesco alcance de um projeto de esclarecimento público
bem realizado... que pudesse entrar em todas as casas.
Sabemos
que o meio de informação de mais alto alcance, na atualidade, é a
televisão. Inútil é, portanto, apenas criticá-la e não enxergar
suas potencialidades verdadeiramente libertadoras... A crítica
se faz necessária e inevitável, sem dúvida, mas se refere apenas à
situação presente, lamentável de fato, mas passível de mudança.
Para
concretizarmos tal projeto, urge que combatamos o argumento
banalizante, intelectualoide, de que a televisão é em si algo
pérfido, maligno ou até demoníaco. Nada é mau em si, a menos que
o ser humano assim o torne. Evidentemente, se dissermos em alto e bom
tom, sem mais palavras, que “a televisão é o mais eficiente meio
de educação”, passaríamos por loucos. E, no entanto, trata-se da
mais pura verdade, com mais palavras...
Devemos
separar, mais uma vez, as ideias de “ser” e “dever ser”. É
agora que se faz ainda mais absurda a ideia de haver “falta de
recursos” para isso. O que há, por sinal, é pura falta de
vontade. Lembremos dos milhões gastos (e arrecadados) com o
entretenimento e reflitamos nas possibilidades.
Ora,
é inegável a necessidade de lazer e entretenimento; por que não
uni-la às necessidades de esclarecimento?
Não
só inútil como também contraproducente é concentrarmos nossa
crítica no aspecto visível das atrações televisivas, pois o
problema maior não é o que se mostra, mas a ausência do que
deveria ser mostrado. Se o povo em geral faz questão de dar
tanta audiência a certos programas, é certamente porque quer
mesmo ver aquilo. Trata-se de um fato antropológico, e não pode
ser encarado com moralismos.
Não
se critica, aqui, o que a televisão mostra atualmente, pois seria
uma perda de tempo, mero “chover no molhado” ou puro puritanismo
(sincero moralismo ou hipocrisia pura e simples), crítica
não-construtiva, enfadonha repetição de um conformismo
imaginativo coletivo: coletiva preguiça de pensar.
O
povo quer sexo: pois que se lhe dê sexo! – mas com a devida
instrução. Isso em nada diminuiria o Ibope, caso fosse apresentado
aos moldes de entretenimento, e não didaticamente, como numa
sala de aula. Poderia haver um quadro fixo em um programa de alta
audiência (como os que empesteiam as tardes de domingo), uma espécie
de descontraído bate-papo com alguém que entenda do assunto,
cientificamente, e ao mesmo tempo não tenha papas na língua e saiba
comunicar-se em público, uma figura pública de identificação
imediata. Havendo uma sessão de cartas dos espectadores, melhor
ainda. O quadro se chamaria “Falando de Sexo” ou algo do tipo, e
teria muitos minutos de duração, pois o assunto é inesgotável e
absorvente. Não se excluiria eventuais atrativos do erotismo,
justamente com o propósito de garantir a audiência, de modo
definitivo. Certamente, seria um quadro aguardadíssimo pelos
telespectadores, e renderia considerável audiência.
Não
se pode tirar o sexo da TV (seria muito moralismo), mas acrescentar
um elemento construtivo, instrutivo, ao lado do inevitável
entretenimento de cunho erótico.
Bom
é nos concentrarmos nas críticas construtivas. E há fortes motivos
para colocarmos nosso foco primeiramente na questão de sexualidade.
Atentemos
para o relato de um fato muito comum, que aparenta a princípio não
guardar relação alguma com a mídia de massa, mas que se revela
inadmissível em tempos de tanta celeuma em torno dos avanços da
comunicação.
É
notória a quantidade dos casos de preservativos que se rompem
durante o ato sexual. E nem é preciso recorrermos a um instituto de
pesquisa para nos dar conta disso: basta iniciarmos o assunto em
qualquer roda de bate-papo, e logo ouviremos alguém (mais de uma
pessoa, geralmente) comentar, com descontração, o seu caso de
“arrebentamento” que se deve (“invariavelmente”) à
má-qualidade do artefato. Há mesmo quem pense em reclamar para o
INMETRO... É um fenômeno ocorre até entre universitários e as
pessoas em geral que se alegam bem-informadas. O que está
acontecendo?
Muito
simples: a grandessíssima parte dos bilhões de seres humanos
viventes neste planeta ainda não tomou conhecimento de que precisa
tirar todo o ar do reservatório espermático localizado na
extremidade do preservativo, antes de qualquer relação. Alguns
fazem até o contrário: ignorando os mais elementares fatos da
física, chegam a pensar que o ar deve ser deixado ali naquele
minúsculo espaço, justamente para receber o sêmen...
E
lembremos que, ocasionalmente, surgem na televisão nossos ministros
da Saúde (quem quer que sejam), em brevíssimas propagandas
“informativas”, apenas para dizer o que todos já sabem, e nunca
a URGÊNCIA (simplíssima!) que quase todos desconhecem.
A
falibilidade das propagandas informativas atuais é, pois, evidente.
De nada adianta contratar os serviços de agências de publicidade
que recheiam os anúncios de mirabolantes efeitos especiais ou
imagens de impacto, se as noções mais importantes acerca de
sexualidade (e o que dizer de outros assuntos!) são evitadas
recorrendo-se ao insustentabilíssimo argumento do “tabu” popular
que não pode ser ferido.
Falar-se
em tabu, em circunstâncias assim, é mais que uma hipocrisia; é um
autêntico assassinato da inteligência humana. Num país em que a
maioria das crianças nem sequer acredita em Papai Noel (e nem o
pode); onde a televisão mostra continuamente cenas quase explícitas
de sexo fora de um contexto de horário e circunstância ou, pior
ainda, violência explícita (sem o “quase”), o mínimo que se
poderia fazer seria falar abertamente de temas como sexo e
violência, pois as famílias, tanto quanto os núcleos domésticos,
já conhecem bem a face fenomênica destes termos.
Os
meios de comunicação têm plena capacidade de instruir a população
no que esta mais precisa saber: para isto não é necessário que se
gaste um só centavo a mais do que já se tem desperdiçado com a
desinformação. Poderíamos ter aulas de política e cidadania
durante os programas mais populares, sem que estes assuntos se
mostrassem modorrentos e tediosos. A mídia possui mil recursos para
tornar uma informação interessante e atraente, mas, aqui, continua
valendo o mesmo que já dissemos sobre o ensino escolar – jovens
que crescem desestimulados a estudar, pela falta de emoção e senso
de aventura com que são transmitidos os conhecimentos.
Não
há assunto que não possa ser abordado, nada a se esconder. Nada que
possa chocar pessoas já acostumadas a assistir, forçadamente, o
espetáculo sangrento dos reality shows do cotidiano...
Relembrando
o quadro da “favela transcendente” anteriormente citado, pode-se
conceber agora o poder de uma campanha efetiva, conjunta entre o
Estado e a mídia de massa, no que diz respeito ao controle de
natalidade e erradicação de doenças sexualmente transmissíveis,
entre outros tópicos que servirão como ponto de partida para um
mais amplo processo de reeducação coletiva, culminando na inserção
de todas as pessoas na plenitude da cidadania.
Esta
campanha, que gostaríamos de não considerar uma mera utopia, poderá
chamar-se “Projeto Horário Nobre”; sendo arquitetada após
sérios estudos dos temas abordados.
Educação e desinformação (Parte 2 – O papel da escola)
Revendo o papel da escola. Os arcaísmos ainda presentes na educação pública.
O
ensino público, de modo geral, não exerce com diligência suas
principais funções. E nem pode se utilizar da justificativa
falaciosa de que insuficientes recursos financeiros inviabilizariam
novos projetos se ensino, como veremos.
Percebemos,
de início, um imenso contraponto entre a realidade do ensino e o que
este deveria ser. Ora, quais as verdadeiras funções da
escola? E qual é o quadro atual?
A
ênfase costuma ser na abordagem de questões de conhecimentos
gerais, sem objetividade, não-urgentes por excelência. Perde-se
tempo num emaranhado de considerações de ordem ontológica,
avançando nas ciências específicas de modo a causar no estudante
uma sensação de alienação para as questões de ordem social (o
mais urgente), sentimentos de inferioridade e submissão
surgidos diante do gigantismo das matérias expostas. É gasto um
tempo considerável com temas abordados fora do contexto, apesar de
sua importância (em outros contextos); sendo isso válido sobretudo
para as ciências exatas – todas que bem poderiam ser mostrados
apenas em seus conceitos básicos, assimiláveis pelo indivíduo em
seu cotidiano. Não se tem em vista uma objetividade prática que
possa ser prontamente utilizada pelo aluno, na qual este possa se
inserir imediatamente. Por exemplo, com relação à Matemática,
deveria haver uma ênfase no aspecto financeiro (taxas, juros,
investimentos, em suma: uma contextualização humana, prática e
social, sintonizada com o presente e preparatória para o futuro) e
jamais, a nível de ensino de 1o e 2o
graus, tamanha celeuma em torno de problemas de geometria aplicada,
em suas minúcias, que deveria ser ensinada apenas àqueles
indivíduos que já optassem pela carreira matemática, numa
universidade.
Citemos
o exemplo do autor deste trabalho: somente foi “gostar” de
matemática ao realizar um curso de Auxiliar de Escritório, no qual
descobriu a grande importância prática da Matemática Financeira.
Vejam bem: tratava-se de um curso opcional, e a referida matéria,
nessa contextualização, nem sequer consta no currículo de 1o
ou 2o graus. Ou seja, quase ninguém, no Brasil (e no
mundo, presume-se) fica sabendo que uma disciplina geralmente
encarada como “chatíssima” pode ser “legal”.
Sim,
a escola se pretende formadora de profissionais e de caracteres
civicamente humanos. Mas, como se não bastasse renegar estas funções
a postos secundários diante das questões científicas e de
conhecimentos gerais (evidentemente importantes e imprescindíveis,
mas não como prioridades), ainda as transmite de forma
desorganizada (ao menos como chegam até um aluno da rede pública,
mesmo que, em tese, sejam elaboradas com alguma metodologia) e
desobjetivada, até mesmo ocasionando a destruição, por assim
dizer, dos próprios alegados objetivos.
Ocorre,
de fato, uma produção de marginalização e exclusão social por
parte do atual ensino institucionalizado. Como esta se dá?
Ora,
não há um devido acompanhamento do estudante, desde a sua infância,
no que diz respeito a um direcionamento às futuras atividades
profissionais. Em suma, não há orientação vocacional de
forma alguma – e esta ausência é a principal causa da
marginalização.
Quando
costuma haver o ensino profissionalizante? Na etapa final da
adolescência, sem que o indivíduo tenha sequer noção do que seja
“vocação”. Ocorre que não basta se “querer” exercer esta
ou aquela profissão, visando unicamente o maior lucro, ou o status
social, ou ainda acatando decisões familiares ou provenientes de um
senso comum (influência de amigos, geralmente), se esta profissão
assim tão irrefletidamente escolhida não estiver de acordo com as
predisposições naturais do caráter íntimo da pessoa.
Faz-se
necessário, para isto, uma forma de ensino que seja mais de
observação e análise de comportamentos, ao invés de
imposições.
Por
que não empreendê-lo desde a infância do estudante?
O
ensino profissionalizante não deve ser prescindido na infância sob
a alegação de que crianças ainda não podem decidir sobre seu
destino profissional. Alegação sensata, de fato, mas não se
pretende aqui conduzir arbitrariamente o indivíduo a seguir por
caminhos contrários à suas disposições, mas, justamente, iniciar
um programa de análise criteriosa do comportamento da
criança, em todas as suas atividades, para que se descubra, por meio
da Psicologia, quais os possíveis caminhos vocacionais que a
personalidade natural desta criança indicará.
Assim,
se o professor observar que o aluno X demonstra desempenho notável
para as artes plásticas, logo entrará em contato com os pais ou os
responsáveis por ele, e lhes informará da necessidade de matricular
a criança ou o jovem em cursos especializados, para que possa
desenvolver plenamente suas naturais habilidades, tornando-se, por
fim, ao mesmo tempo um profissional de êxito e uma pessoa humana
plenamente realizada. O professor e a escola poderiam, ainda, indicar
as instituições adequadas para a inserção do aluno daquele ponto
em diante, caso o adulto responsável solicite maiores
esclarecimentos.
Em
suma: cada ser humano tem uma ou mais vocações bem pessoais e
especiais, que devem ser descobertas o mais cedo possível para que
haja um planejamento de futuro profissional e de inserção
social. Nenhum ser humano, não importando quem seja, é em essência
inútil ou vagabundo: o que há é tão-somente pessoas
que ainda não descobriram seus reais talentos e capacidades, para
poder aperfeiçoá-los ainda mais, com estudos persistentes.
Não
haveria assim mais desempregados e desocupados, ou ainda indivíduos
insatisfeitos com seu emprego. Todos trabalhariam bem, se fizessem o
seu melhor; mas para isso cabe que se diga: não se trata do melhor
em qualquer setor, mas apenas daquele que corresponder às reais
capacitações do ser.
A
grande urgência, o critério norteador de tudo, como já dissemos, é
garantir a perfeita inserção do aluno na sociedade. No caso, a sua
sociedade, aquela que lhe é própria e peculiar por disposição
natural.
Voltando
neste ponto à questão da educação escolar, percebemos que esta
não opera nem ao menos no sentido de promover uma saída para a
diferença de personalidades entre os alunos. Como as pessoas não
são iguais em aspirações e aptidões, é insensato que se
condicione todos ao mesmo tratamento, uma vez que a própria Justiça
já tem seus compreensíveis relativismos. É por tudo isso que se
insiste na importância de um acompanhamento, até para a descoberta
dos ambientes de estudo que mais se ajustem à personalidade do aluno
e a seus talentos potenciais.
Bem,
a esta altura já vimos claramente que há um grande problema de foco
de prioridade no ensino público, associado a um notório
desinteresse pelo futuro do estudante. Já vimos que tal sistema
educacional funciona como uma verdadeira “máquina” de exclusão
social, uma vez que gera desemprego, subemprego, má-inserção na
sociedade, marginalização em geral e uma enorme falta de
perspectivas para com o futuro.
Agora,
para complementar a tese, colocaremos algumas sugestões de
disciplinas viáveis a serem implantadas no currículo básico do
ensino, todas importantíssimas segundo o critério de prioridade:
–
PLANEJAMENTO
FAMILIAR;
–
PROGRAMAS DE
SAÚDE (incluindo primeiros socorros);
–
ORIENTAÇÃO
VOCACIONAL;
–
FILOSOFIA
(destaque para o aspecto crítico e o estudo dos valores);
– ÉTICA
(mais objetiva que o ensino religioso);
–
LEGISLAÇÃO
etc.
Algumas
já estão, de fato, presentes no cotidiano de certas instituições,
mas não com o caráter de obrigatoriedade (no melhor dos
sentidos), e nem sequer recebem a ênfase merecida, sendo geralmente
consideradas inferiores, em importância, à matérias como
Matemática, Física, Química etc., quando, em realidade, são muito
mais necessárias segundo o já exposto critério.
Evidentemente,
os assuntos seriam abordados com diferentes níveis de aprofundamento
em cada graduação do ensino.
Ocorre,
entretanto, que certas disciplinas já “clássicas”, não
obstante sua consagração e tradicional presença, nem sempre visam
a plena realização do ser humano, visto que excluem certos pontos
fundamentais que lhe dizem respeito.
Vejamos,
por exemplo, a História. Novamente citando uma experiência deste
autor, mencionemos o fato de este apenas ter descoberto as reais
implicâncias de conceitos como “liberalismo” e “globalização”
a partir do momento que se incluíra no estudo superior; em uma
universidade. Ora, nunca desmerecendo as universidades mas antes
criticando o ensino público de 1o e 2o graus
no Brasil, pergunta-se o porquê deste ensino dificilmente completar,
em um ano letivo, a parte mais importante do estudo da História
Universal – a parte que antecede imediatamente o atual quadro
social. Note agora que, no caso, “liberalismo” nem pode ser
considerado algo novo (apesar do nome “moderno” com que batizaram
sua versão maligna), mas, de qualquer forma, o ensino público
brasileiro tem como capricho dar por encerrada “sua” História lá
pelos meados do século 19, e, mesmo quando aborda questões
mais recentes, geralmente o é com referência aos fatos
consequentes, restritamente, friamente, sem revelar o fator
IDEOLÓGICO que permeia as etapas da História.
Pode-se
chegar a mostrar um quadro geral do que foram as duas grandes guerras
e acontecimentos do período, mas palavras como “socialismo”,
“capitalismo”, “niilismo”, “revisionismo”, e, sobretudo
(o que é mais vexatório), “revivalismo”, são, quando não
mencionadas, sub-relevadas.
Indo
mais longe: não haveria agora uma orientação ideológica por trás
dessa má-realização do ensino? É irresistível concluirmos por
isso, diante do que foi exposto.
O
que nos induz a assim pensar é a própria clara viabilidade material
da implantação deste programa de reestruturação do ensino. Não
se trata de investir em tecnologia; este é assunto paralelo. Não se
trata de contratar novos professores – embora a necessidade
constante disso já seja banal em nosso país. Basta que todos sigam
a nova cartilha, dentro de sua especialidade. Em suma: não é
possível que se leve a sério o argumento de que faltam “verbas”
para isso, quando a máquina pública gasta demais em programas
educacionais mal direcionados e de esclarecimento público que mais
desinformam do que informam...
O
que está acontecendo é uma “contrapedagogia” que pode estar
servindo de veículo para uma forma de opressão organizada.
Ora, o povo em sua totalidade nem ao menos tem ligeiras noções do
que seja a natureza e a origem das principais facções políticas,
religiosas e filosóficas! Se o soubesse, provavelmente não votaria
em nenhum partido que hoje ostentasse um L ou um N em sua sigla, ou
até duvidaria que alguma vez o próprio Deus tenha dito “Não
deixarás viver a feiticeira” nas páginas de um livro escrito
por seu dedo...
Por
que só aprendemos certas coisas tão relevantes apenas quando
cursamos uma faculdade? Quanto fanatismo e quanto sofrimento não são
resultado de simples falta de informação – em um mundo que se
gaba de ter chegado à tamanha evolução tecnológica, no que diz
respeito às comunicações?!
É
paradoxal, é infame, mas reconheçamos que vivemos uma crise de
informação na Era da Informação. Resta-nos saber se
esta crise foi provocada, com algum propósito pernicioso, ou se é
oriunda de mera ignorância.
Ignorância,
por parte dos detentores de maior informação? É altamente
improvável. Sabemos, pela própria História, que a partir do
momento em que a humanidade não mais se deixa governar pelos
detentores da força bruta, este governo – seria melhor dizer
“controle” – passa para os mais bem informados.
Forçoso
é concluirmos pela existência de um fator autoconsciente de
fomentação de desinformação.
Educação e desinformação (Introdução / Parte 1 – O papel da família)
INTRODUÇÃO.
A pedagogia da desinformação.
Falaremos
sobre questões urgentes. Questões referentes a possibilidades e
desperdícios – sobretudo o desperdício de informação.
Abordaremos sobretudo o contraste existente entre a informação
inútil e a informação útil, segundo o critério de prioridade com
relação às aplicações sociais do conhecimento.
Será
revelada a existência de uma crise da atualidade, crise que
constitui um paradoxo de grandes implicâncias no âmbito da
sociedade. Serão apresentadas, porém, propostas de soluções
viáveis para cada problema discutido.
Analisaremos
os meios pelos quais a educação chega até o indivíduo – as
“vias” da educação. Tem-se por hábito considerar a família
como sendo o ponto inicial do processo pedagógico, e a escola como o
último. Há, porém, varias questões controversas a se considerar
com relação a este quadro simplista e ilusoriamente confortador.
Como
não poderíamos esgotar as possibilidades de abordagem, propomos que
seja desenvolvido um posterior debate, de sérias implicâncias.
Sérias porque envolvem questões como subjugação humana,
marginalização, controle social e, sobretudo, manipulação de
informação.
Visto
que as relações existentes entrem a educação pública e o
controle da informação são assuntos que urgem sejam revistos, por
muito nos dizerem respeito, exortamos o leitor a ter uma participação
ativa no debate, seja pelo contato direto com este autor ou com seu
envolvimento pessoal na problemática – em complacência, denúncia
ou renúncia.
Revendo
o papel da família. Os maus fundamentos da tradição.
Evidenciaremos
agora quais os males de se separar rigidamente certas áreas da
educação, quanto à função, como sendo algumas de privilégio
exclusivo da família e outras da escola.
Pergunta-se:
qual garantia podemos ter de que a família irá desempenhar bem as
funções tradicionalmente reservadas para ela? Seria a família tão
bem organizada como uma empresa ou uma instituição, cujo
funcionamento decorre de princípios metodológicos? Não: sua
“pedagogia” não tem garantia científica alguma (muito
necessária em certas questões de psicologia) e, mesmo quando tal
“pedagogia” produz acertos, estes dificilmente são decorrentes
de um planejamento isento de ideias comuns, que sejam o substrato do
aspecto mais negativo do relativismo cultural.
Assim,
um planejamento especial para os núcleos familiares deveria ser uma
iniciativa do Estado, a partir de teorias desenvolvidas sobre
fundamentos psicológicos, ao contrário do que sempre ocorre: uma
organização quase fortuita de fatores sociais. (Para todos os fins,
considera-se aqui “quase fortuito” um sistema familiar cuja
“base” se mostre desprovida de ciência.)
Ora,
seria temerário implantar um projeto nesse sentido precipitadamente,
tendo-se em vista a notória falta de consenso entre as facções
“produtoras de pensamento” que poderiam elaborar métodos
arbitrários e precipitadas de “controle” social. Tudo deveria
ser dirigido com criterioso estudo, e este ainda está sendo
efetuado.
Como
o que se discute aqui é a educação, outro problema surge então:
trata-se da dificuldade (ou plausibilidade, podemos discutir) de se
implantar um mecanismo de “controle de educação” a nível
familiar. Para o sistema escolar, ao menos, há um controle, efetuado
pelos órgãos públicos – Ministérios e Secretarias especiais.
Mais uma vez insistimos: como garantir que a instrução dada pelos
pais – vindos de tantas origens, de tão variadas crenças e
opiniões – preencha os requisitos de uma objetiva cartilha de
educação doméstica, ainda mais sendo difícil de implantar por
mostrar uma diretriz universalizante?
Pensemos,
portanto, numa proposta conciliatória. Ou, ao menos, um fator de
transição, a título de conciliação.
Diante
dos fatores apresentados, e retomando o pensamento inicial, podemos
afirmar que a maior garantia de cientificidade da educação a
nível familiar consiste em incluir este tipo de educação também
no currículo do ensino público. É, realmente, um meio bastante
eficaz de se aplicar tanto as informações mais básicas sobre
planejamento familiar quanto de efetuar o necessário controle do
método e dos resultados; eficaz também quanto aos fatores éticos,
por preservar o aspecto positivo da variedade cultural.
“Noções
mais básicas de planejamento familiar?” surpreender-se-ão
alguns, alegando que a secular tradição herdada de suas avós seja
um paradigma inquebrantável. Mas, convenhamos: por um lado, “fazer
filhos” é fácil demais, enquanto que o mero instinto é
insuficiente para conduzir um lar num mundo sadicamente tecnocrático
como o dos tempos atuais; e, ainda, com relação ao alegado valor da
tradição, pode-se dizer que esta deve submeter-se a um
conjunto de teses atualizadas, pesquisadas por uma cúpula científica
reconhecidamente especializada. A própria ideia de tradição,
por excelência fixista e não-discutível, já exclui de pronto o
fator mudança – o “motor” da evolução. Trata-se de um código
herdado, uma espécie de DNA inexorável, pronto a lutar contra
qualquer mutação que venha a se imiscuir em sua estrutura.
Faz-se
necessário, portanto, uma engenharia cultural.
Inevitavelmente,
surgem mudanças no âmbito social; urge, agora, que se considere se
a maneira mais profícua de encará-las seria antepondo a estas as
barreiras culturais produzidas pela tradição, ou então enviando à
luta (ou à concórdia) conceitos e atitudes também mutantes
(atualização mútua do quadro problema-solução), ou, ainda,
aproveitar-se simultaneamente, com o devido critério, dos melhores
aspectos da tradição e também do lado mais positivo da mudança
dos paradigmas sociais.
Parece
evidente a superioridade da última alternativa.
Ocorre
que o problema é ainda maior: há famílias que nem mesmo se mostram
dignas de tal alcunha, resultantes de resquícios de uniões
fortuitas e descompromissadas, que acarretam uma desintegração da
personalidade dos indivíduos em formação e, por outro lado, também
há exemplos de lares que conseguem se manter satisfatoriamente sem
se valer dos tradicionais modelos patriarcais, devido a uma
organização doméstica muito particular e eficaz, seguindo uma
série de regras de sobrevivência que bem poderiam ser estudadas e
catalogadas com mais profundidade, para uma providencial aplicação
social.
É
por causa disto que hoje em dia torna-se mais conveniente falar de
“núcleos domésticos”.
De
tudo que foi evidenciado, podemos concluir que a família não pode
ter, por direito, a primazia no quadro de fatores que levam à
educação de um indivíduo, enquanto mostrar-se assim tão
aleatória, tão faccionária, tão condicionada pelo meio ao ponto
de não sustentar uma metodologia pedagógica com o conhecimento da
causa.
É
justamente por causa disto que defendemos a ideia de que o ensino
público deveria ensinar ao indivíduo TUDO que outrora cabia à
família – quer esta ensine ou não. Não se tira desta, de modo
algum, seu papel na educação, mas, por via das dúvidas,
faz-se com que a escola seja de fato um Lar para o indivíduo em
formação, uma vez que não haja meios absolutos de garantir que os
assim chamados “lares” o sejam de fato.
Posteriormente,
quando os órgãos do Estado já tiverem elaborado um amplo projeto
de planejamento familiar público, este poderia ser implantado
conjuntamente a uma campanha de conscientização popular – coisa
que, infelizmente, nunca costuma ser bem realizada, sobretudo no
Brasil, seja por simples má-vontade ou por interesses excusos...
Entretanto,
ainda fica no ar a questão: não haveria um meio ainda mais
eficiente de educação pública, fora do tradicional quadro
lar-escola? Os tempos atuais não indicariam qual o caminho de
possíveis novos recursos cabíveis para isso? É o que abordaremos
na sequência.
Uma nuvem singular
Você não sabe o que há por trás desta chuva.
Se
soubesse, já estaria em casa, rezando,
ou
fazendo algo mais efetivo, se possível.
Não,
esponja de aço na pele agora também é
manifestação
de romantismo arcaico.
Você
quis a nostalgia,
logo
quis também concretizar a distorção
da linha
do tempo,
ao
resgatar emoções doces como
relva,
água, risos, corpos, almas.
Não
posso condenar você.
Apenas
digo, frio na linguagem
e
queimando por dentro:
você
não sabe o que significa esta chuva.
O perigo
é doce,
o perigo
nos conforta,
sua face
de veludo
projetando
reminiscências incensadas.
Nós aconchegamos sobre o peito liso do perigo,
entre
preces silenciosas de agradecimento.
Ainda
vejo as duas crianças sob a chuva,
inconsequentes
mas tudo sabendo,
sem
contar as horas,
simplesmente
vivendo, absorvendo,
já
cometendo
o erro
fatal, original,
de
voltar as costas para o sol.
Não,
você não sabe o que há por trás desta chuva.
Meus
pêsames.
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