Revendo o papel da escola. Os arcaísmos ainda presentes na educação pública.
O
ensino público, de modo geral, não exerce com diligência suas
principais funções. E nem pode se utilizar da justificativa
falaciosa de que insuficientes recursos financeiros inviabilizariam
novos projetos se ensino, como veremos.
Percebemos,
de início, um imenso contraponto entre a realidade do ensino e o que
este deveria ser. Ora, quais as verdadeiras funções da
escola? E qual é o quadro atual?
A
ênfase costuma ser na abordagem de questões de conhecimentos
gerais, sem objetividade, não-urgentes por excelência. Perde-se
tempo num emaranhado de considerações de ordem ontológica,
avançando nas ciências específicas de modo a causar no estudante
uma sensação de alienação para as questões de ordem social (o
mais urgente), sentimentos de inferioridade e submissão
surgidos diante do gigantismo das matérias expostas. É gasto um
tempo considerável com temas abordados fora do contexto, apesar de
sua importância (em outros contextos); sendo isso válido sobretudo
para as ciências exatas – todas que bem poderiam ser mostrados
apenas em seus conceitos básicos, assimiláveis pelo indivíduo em
seu cotidiano. Não se tem em vista uma objetividade prática que
possa ser prontamente utilizada pelo aluno, na qual este possa se
inserir imediatamente. Por exemplo, com relação à Matemática,
deveria haver uma ênfase no aspecto financeiro (taxas, juros,
investimentos, em suma: uma contextualização humana, prática e
social, sintonizada com o presente e preparatória para o futuro) e
jamais, a nível de ensino de 1o e 2o
graus, tamanha celeuma em torno de problemas de geometria aplicada,
em suas minúcias, que deveria ser ensinada apenas àqueles
indivíduos que já optassem pela carreira matemática, numa
universidade.
Citemos
o exemplo do autor deste trabalho: somente foi “gostar” de
matemática ao realizar um curso de Auxiliar de Escritório, no qual
descobriu a grande importância prática da Matemática Financeira.
Vejam bem: tratava-se de um curso opcional, e a referida matéria,
nessa contextualização, nem sequer consta no currículo de 1o
ou 2o graus. Ou seja, quase ninguém, no Brasil (e no
mundo, presume-se) fica sabendo que uma disciplina geralmente
encarada como “chatíssima” pode ser “legal”.
Sim,
a escola se pretende formadora de profissionais e de caracteres
civicamente humanos. Mas, como se não bastasse renegar estas funções
a postos secundários diante das questões científicas e de
conhecimentos gerais (evidentemente importantes e imprescindíveis,
mas não como prioridades), ainda as transmite de forma
desorganizada (ao menos como chegam até um aluno da rede pública,
mesmo que, em tese, sejam elaboradas com alguma metodologia) e
desobjetivada, até mesmo ocasionando a destruição, por assim
dizer, dos próprios alegados objetivos.
Ocorre,
de fato, uma produção de marginalização e exclusão social por
parte do atual ensino institucionalizado. Como esta se dá?
Ora,
não há um devido acompanhamento do estudante, desde a sua infância,
no que diz respeito a um direcionamento às futuras atividades
profissionais. Em suma, não há orientação vocacional de
forma alguma – e esta ausência é a principal causa da
marginalização.
Quando
costuma haver o ensino profissionalizante? Na etapa final da
adolescência, sem que o indivíduo tenha sequer noção do que seja
“vocação”. Ocorre que não basta se “querer” exercer esta
ou aquela profissão, visando unicamente o maior lucro, ou o status
social, ou ainda acatando decisões familiares ou provenientes de um
senso comum (influência de amigos, geralmente), se esta profissão
assim tão irrefletidamente escolhida não estiver de acordo com as
predisposições naturais do caráter íntimo da pessoa.
Faz-se
necessário, para isto, uma forma de ensino que seja mais de
observação e análise de comportamentos, ao invés de
imposições.
Por
que não empreendê-lo desde a infância do estudante?
O
ensino profissionalizante não deve ser prescindido na infância sob
a alegação de que crianças ainda não podem decidir sobre seu
destino profissional. Alegação sensata, de fato, mas não se
pretende aqui conduzir arbitrariamente o indivíduo a seguir por
caminhos contrários à suas disposições, mas, justamente, iniciar
um programa de análise criteriosa do comportamento da
criança, em todas as suas atividades, para que se descubra, por meio
da Psicologia, quais os possíveis caminhos vocacionais que a
personalidade natural desta criança indicará.
Assim,
se o professor observar que o aluno X demonstra desempenho notável
para as artes plásticas, logo entrará em contato com os pais ou os
responsáveis por ele, e lhes informará da necessidade de matricular
a criança ou o jovem em cursos especializados, para que possa
desenvolver plenamente suas naturais habilidades, tornando-se, por
fim, ao mesmo tempo um profissional de êxito e uma pessoa humana
plenamente realizada. O professor e a escola poderiam, ainda, indicar
as instituições adequadas para a inserção do aluno daquele ponto
em diante, caso o adulto responsável solicite maiores
esclarecimentos.
Em
suma: cada ser humano tem uma ou mais vocações bem pessoais e
especiais, que devem ser descobertas o mais cedo possível para que
haja um planejamento de futuro profissional e de inserção
social. Nenhum ser humano, não importando quem seja, é em essência
inútil ou vagabundo: o que há é tão-somente pessoas
que ainda não descobriram seus reais talentos e capacidades, para
poder aperfeiçoá-los ainda mais, com estudos persistentes.
Não
haveria assim mais desempregados e desocupados, ou ainda indivíduos
insatisfeitos com seu emprego. Todos trabalhariam bem, se fizessem o
seu melhor; mas para isso cabe que se diga: não se trata do melhor
em qualquer setor, mas apenas daquele que corresponder às reais
capacitações do ser.
A
grande urgência, o critério norteador de tudo, como já dissemos, é
garantir a perfeita inserção do aluno na sociedade. No caso, a sua
sociedade, aquela que lhe é própria e peculiar por disposição
natural.
Voltando
neste ponto à questão da educação escolar, percebemos que esta
não opera nem ao menos no sentido de promover uma saída para a
diferença de personalidades entre os alunos. Como as pessoas não
são iguais em aspirações e aptidões, é insensato que se
condicione todos ao mesmo tratamento, uma vez que a própria Justiça
já tem seus compreensíveis relativismos. É por tudo isso que se
insiste na importância de um acompanhamento, até para a descoberta
dos ambientes de estudo que mais se ajustem à personalidade do aluno
e a seus talentos potenciais.
Bem,
a esta altura já vimos claramente que há um grande problema de foco
de prioridade no ensino público, associado a um notório
desinteresse pelo futuro do estudante. Já vimos que tal sistema
educacional funciona como uma verdadeira “máquina” de exclusão
social, uma vez que gera desemprego, subemprego, má-inserção na
sociedade, marginalização em geral e uma enorme falta de
perspectivas para com o futuro.
Agora,
para complementar a tese, colocaremos algumas sugestões de
disciplinas viáveis a serem implantadas no currículo básico do
ensino, todas importantíssimas segundo o critério de prioridade:
–
PLANEJAMENTO
FAMILIAR;
–
PROGRAMAS DE
SAÚDE (incluindo primeiros socorros);
–
ORIENTAÇÃO
VOCACIONAL;
–
FILOSOFIA
(destaque para o aspecto crítico e o estudo dos valores);
– ÉTICA
(mais objetiva que o ensino religioso);
–
LEGISLAÇÃO
etc.
Algumas
já estão, de fato, presentes no cotidiano de certas instituições,
mas não com o caráter de obrigatoriedade (no melhor dos
sentidos), e nem sequer recebem a ênfase merecida, sendo geralmente
consideradas inferiores, em importância, à matérias como
Matemática, Física, Química etc., quando, em realidade, são muito
mais necessárias segundo o já exposto critério.
Evidentemente,
os assuntos seriam abordados com diferentes níveis de aprofundamento
em cada graduação do ensino.
Ocorre,
entretanto, que certas disciplinas já “clássicas”, não
obstante sua consagração e tradicional presença, nem sempre visam
a plena realização do ser humano, visto que excluem certos pontos
fundamentais que lhe dizem respeito.
Vejamos,
por exemplo, a História. Novamente citando uma experiência deste
autor, mencionemos o fato de este apenas ter descoberto as reais
implicâncias de conceitos como “liberalismo” e “globalização”
a partir do momento que se incluíra no estudo superior; em uma
universidade. Ora, nunca desmerecendo as universidades mas antes
criticando o ensino público de 1o e 2o graus
no Brasil, pergunta-se o porquê deste ensino dificilmente completar,
em um ano letivo, a parte mais importante do estudo da História
Universal – a parte que antecede imediatamente o atual quadro
social. Note agora que, no caso, “liberalismo” nem pode ser
considerado algo novo (apesar do nome “moderno” com que batizaram
sua versão maligna), mas, de qualquer forma, o ensino público
brasileiro tem como capricho dar por encerrada “sua” História lá
pelos meados do século 19, e, mesmo quando aborda questões
mais recentes, geralmente o é com referência aos fatos
consequentes, restritamente, friamente, sem revelar o fator
IDEOLÓGICO que permeia as etapas da História.
Pode-se
chegar a mostrar um quadro geral do que foram as duas grandes guerras
e acontecimentos do período, mas palavras como “socialismo”,
“capitalismo”, “niilismo”, “revisionismo”, e, sobretudo
(o que é mais vexatório), “revivalismo”, são, quando não
mencionadas, sub-relevadas.
Indo
mais longe: não haveria agora uma orientação ideológica por trás
dessa má-realização do ensino? É irresistível concluirmos por
isso, diante do que foi exposto.
O
que nos induz a assim pensar é a própria clara viabilidade material
da implantação deste programa de reestruturação do ensino. Não
se trata de investir em tecnologia; este é assunto paralelo. Não se
trata de contratar novos professores – embora a necessidade
constante disso já seja banal em nosso país. Basta que todos sigam
a nova cartilha, dentro de sua especialidade. Em suma: não é
possível que se leve a sério o argumento de que faltam “verbas”
para isso, quando a máquina pública gasta demais em programas
educacionais mal direcionados e de esclarecimento público que mais
desinformam do que informam...
O
que está acontecendo é uma “contrapedagogia” que pode estar
servindo de veículo para uma forma de opressão organizada.
Ora, o povo em sua totalidade nem ao menos tem ligeiras noções do
que seja a natureza e a origem das principais facções políticas,
religiosas e filosóficas! Se o soubesse, provavelmente não votaria
em nenhum partido que hoje ostentasse um L ou um N em sua sigla, ou
até duvidaria que alguma vez o próprio Deus tenha dito “Não
deixarás viver a feiticeira” nas páginas de um livro escrito
por seu dedo...
Por
que só aprendemos certas coisas tão relevantes apenas quando
cursamos uma faculdade? Quanto fanatismo e quanto sofrimento não são
resultado de simples falta de informação – em um mundo que se
gaba de ter chegado à tamanha evolução tecnológica, no que diz
respeito às comunicações?!
É
paradoxal, é infame, mas reconheçamos que vivemos uma crise de
informação na Era da Informação. Resta-nos saber se
esta crise foi provocada, com algum propósito pernicioso, ou se é
oriunda de mera ignorância.
Ignorância,
por parte dos detentores de maior informação? É altamente
improvável. Sabemos, pela própria História, que a partir do
momento em que a humanidade não mais se deixa governar pelos
detentores da força bruta, este governo – seria melhor dizer
“controle” – passa para os mais bem informados.
Forçoso
é concluirmos pela existência de um fator autoconsciente de
fomentação de desinformação.
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