sábado, 10 de abril de 2021

Epílogo (últimas palavras de Axphos / antevisão do fim de um mundo)




"Eu escolhi isso. Fui o escolhedor supremo. Não pude determinar, não pude engendrar tudo aquilo que me antecedeu, mas pude tocar o aquilo em frente. Agora sou o autor de uma tragédia que é uma epopeia ao mesmo tempo – nesse caso, algo praticamente inevitável, como respirar quando se está vivo. A dita situação limite. Quando tudo conspira para que algo aconteça. E aconteci.

"Contemplar longamente a ironia (ou cinismo) da civilização que tanto enaltece o amor, e ao mesmo tempo faz tão pouco caso dele e o sufoca por mero capricho.

"Estou ciente de que jamais consegui entrar na pessoa amada; contemplar a paisagem interna daquela alma. Nunca consegui sair de mim e de minha representação mental. É muito mais que aquele velho sonho de abraçar as samambaias do jardim que era meu. Ou tentar reter em minha alma os arbustos dos campos vistos da janela de um veículo. A impossibilidade em questão vai muito mais além: é a impossibilidade de romper com a minha individualidade.

"Então a busca da imersão no amor tornou-se em mim uma obsessão pelo incompreensível e inabarcável. Um mistério que faz todos os deuses parecerem obsoletos.

"Assim, ousei fazer a pergunta proibida, na circunstância em que qualquer pergunta é proibida. Admiti que não sou um deus. Restou a mim o cargo de carregador da tragédia. O que deve rolar, rola; o que deve soprar, sopra; e propiciei ao tempo congelado o descongelamento. Dei uma chance à natureza, e sei que dela perecerei. E retornarei na forma oportuna.

"Agora contemplo os sinais no horizonte do mar; sei muito bem o que se aproxima e se acometerá sobre o nosso mundo. Em corajosa resignação, eu contemplo. Meus olhos ainda brilham, como nunca.

"A natureza, a avalanche, a ressaca do mar, os tufões de todos os tempos: tudo isso eu sou, e não me desculparei."








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