sábado, 10 de abril de 2021

Homunculus




Colossal altura e envergadura
da armadura
deste anão que repugna e fascina;
este homúnculo que conquista reinos
em cujos solos
de seu cuspe faz égide.
 
A sofisticação do grunhido,
a tecnologização do cortar a carne,
a romantização da perfuração,
a meta vazia e simplória
do gesto invasivo.
 
Mascarado assassinato das sutilezas
que são, afinal, as únicas moradas
da verdade.
 
Como sorri e gargalha
ante a visão das carcaças
no gládio hodierno;
ele exsuda
como se o líquido viscoso que dele brota
evidenciasse ou justificasse
a alheia derrota.
 
A fêmea é seu satélite,
seu elétron negativado,
seu troféu sem brilho próprio
– ou, em último humílimo caso,
um utensílio animado
removedor de poeira e escarros
que dele são os rastros óbvios.
 
Macaco sem floresta?
Anaconda sem pântano?
Sanguessuga sem charco?
Proclama-se o Rei Animal
de seu zoológico
de tamanho mundial.
Livros e doutrinas
e cátedras civilizatórias
como mero disfarce
da urina demarcadora de territórios.
Sede de sangue quente,
fome de carne tostada a ferro quente,
forja lanças e farpas variadas
como um mosaico pontiagudo
ao redor dele,
sacralizado pelo mito
e pela tradição.
 
Tudo que faz um mundo girar para trás.
 
Para trás, para frente, para os lados
e com todas as marchas e manobras
ele evolui seu veículo rebaixado
igual a uma barata repugnante
para alegria do harém orbitante
que lhe aguarda nas esquinas
do imenso viveiro
das cobaias inconscientes.
Não consigo desver a visão
do mundo que fora esmagado
pelas rodas ardentes,
o medo e a suspeita
de que alguma coisa deixada várias milhas atrás
pudesse ser justamente a salvação
de nossas vidas.
 
Um cano longo e quente
que agora dispara seu foguetório com toda precisão
contra o peito de uma tábua de alvo,
porque talvez não lhe bastem
as brevíssimas ereções
e as antecipadíssimas ejaculações
para que ele considere ter marcado pontos devidamente
nas expectativas alheias
que ele mesmo cria.
 
Ou uma bela farda
quando lhe faltam bons argumentos.
 
Qualquer pretexto
para chutar abaixo uma porta.
 
Quebrar uma garrafa no acostamento.
 
Rasgar mais um hímen.
 
Luto para me libertar desta pele,
me contorço e torço
o caminho dos meus pensamentos
para me sentir limpo,
após reconhecer o quê disto tudo
ainda está impregnado em mim.
As gargalhadas do troglodita
que saíram de minha boca de criança
tão cedo contaminada.
Aquilo que uma vez me agradou,
me seduziu,
me fez gozar
com artificial naturalidade.
 
Minar, corroer, erodir, demolir
de dentro para fora
esta estrutura, este monumento vil,
este ultraje à beleza,
este entrave à sobrevivência da espécie,
este câncer cultural.
 
Não quero ser o único a cantar
o desmoronamento.
Que não sejam só meus os 
pés
a pisotear as cinzas malditas
do longo pesadelo cínico
que tanto arrasou a superfície
de nosso paraíso sufocado.
 
Poder mostrar
o peito nu aos céus
e o sorriso justificado
pelo prazer do valoroso dever.
O Sol sem manchas,
o divino Apolo que se inclina à beleza
revelada por seus raios de luz
magnânima.








Nenhum comentário:

Postar um comentário