A
Mídia Pedagógica. Como os meios de comunicação nos formam e como
poderemos nos aproveitar disso para melhorar a sociedade. Redimindo a máquina da desinformação.
Abordaremos
agora a problemática acerca do papel que os meios de comunicação
exercem na formação do indivíduo.
“Formação”
de um indivíduo sugere de imediato “educação”. Já vimos que
esta não pode, em última instância, ser privilégio exclusivo do
sistema escolar – e, mesmo assim, em qualquer biblioteca que se
preze, onde há um corredor ou uma estante dedicados ao tema
Educação, quase todos os volumes encontráveis versam sobre a
educação no contexto escolar.
Uma
análise antropológica do assunto revelaria uma série enorme de
fatores que levam à formação do ser humano, no campo da educação.
Mas, em qualquer sentido que olhemos, não conseguiremos fugir do
tema comunicação.
Conhecemos
muito bem qual o caráter da maior revolução tecnológica dos
últimos tempos – o conjunto de tecnologias que promove os meios
ágeis e amplos de processamento de informação. A informação
consiste, dessa forma, numa autêntica moeda corrente para os tempos
atuais, e, mais que isso, como já vimos, pode ela servir de
mecanismo de controle social, pois é histórico que os detentores de
maior informação (veja bem: não conhecimento, embora as
implicâncias sejam um tanto semelhantes) tenham controle sobre os
indivíduos menos informados.
E
que atitude pretende-se aqui defender? É a seguinte: que os meios de
comunicação de massa (televisão, publicações, o próprio
ciberespaço etc.) possam ser
efetivados como instrumento educacional positivo e construtivo, pois
que, de qualquer forma, estão eles a nos “educar”, no sentido de
“condicionar” e “formar”, quer nos apercebamos disso ou não.
Como
o conceito popular de “educação” já sugere, de imediato, algo
modorrento e tedioso, é compreensível que o povo em sua totalidade
repudie ser “educado” quando podia muito bem se valer dos meios
de comunicação de massa como veículo de entretenimento para suas
vidas tão sofridas...
Logo
se percebe, assim, que a institucionalização da educação tem
enveredado por caminhos errados, ao ignorar os meios de assimilação
condizentes com as aspirações humanas mais essenciais. As crianças
percebem isso, e muito bem, mas não sabem como dizê-lo. Ir à
escola, para elas, é geralmente um fardo, uma obrigação,
mas não uma iniciativa. Isso porque não se costuma utilizar, no
ambiente escolar, as deixas do natural instinto de curiosidade do ser
humano – algo dentre o que temos de mais sagrado! – com fins
pedagógicos.
Portanto,
deve-se fazer uso da atratibilidade em matéria de educação.
Mesmo
que se consiga implantar um programa de reestruturação do ensino
público e, quiçá, distribuir para o povo uma cartilha de
planejamento familiar, estas medidas podem bem ser antecedidas, por
fatores práticos, pelo já referido uso diligente da comunicação
de massa – mas do tipo ao qual todos tenham acesso.
Não
nos referimos, por sinal, à Internet. Nos países menos
desenvolvidos, onde a desinformação alcança sua culminância, o
computador ainda constitui um luxo para a maior parte das pessoas, e,
de qualquer forma, por debaixo do seu caráter “optativo” que
deixa-nos inteiramente livres para escolher nossa “programação”,
pode se ocultar uma ainda maior manipulação – o indivíduo se fia
inteiramente naquilo que crê seja uma benéfica liberdade e
autonomia, mas... a busca pela informação via Internet se dá com
que critérios de escolha? Pessoas de pouca formação ou até pouco
caráter não conseguem fazer bom uso das comunicações
informatizadas, pois só escolhem o que já atende à sua ignorância.
O critério da busca pela informação já é preconcebido,
preconceituoso, irrefletidamente, porque condicionado. Assim, não se
quebra a barreira da desinformação massificada.
Qual
seria, então, o meio perfeito para instrução pública, acessível,
barato, atraente e popular, que poderia agora entrar em todas as
casas – sobretudo nas mais inóspitas e miseráveis?
Eis
aqui um cenário.
Uma
noite qualquer, em um dos mais simplórios casebres do mais precário
conjunto habitacional brasileiro (a favela), onde faltam muitos itens
de comodidade ocidental, é difícil não depararmos com um grupo
humano reunido em torno de um aparelho de TV, absorvidos pela
contemplação de uma imagem de realidade que possa transcender, de
forma virtualizada, a dura e triste realidade factual que se impõe
ao redor.
É
a este escapismo, à guisa de transcendência, que costumamos chamar
“horário nobre”.
Imaginemos
agora o gigantesco alcance de um projeto de esclarecimento público
bem realizado... que pudesse entrar em todas as casas.
Sabemos
que o meio de informação de mais alto alcance, na atualidade, é a
televisão. Inútil é, portanto, apenas criticá-la e não enxergar
suas potencialidades verdadeiramente libertadoras... A crítica
se faz necessária e inevitável, sem dúvida, mas se refere apenas à
situação presente, lamentável de fato, mas passível de mudança.
Para
concretizarmos tal projeto, urge que combatamos o argumento
banalizante, intelectualoide, de que a televisão é em si algo
pérfido, maligno ou até demoníaco. Nada é mau em si, a menos que
o ser humano assim o torne. Evidentemente, se dissermos em alto e bom
tom, sem mais palavras, que “a televisão é o mais eficiente meio
de educação”, passaríamos por loucos. E, no entanto, trata-se da
mais pura verdade, com mais palavras...
Devemos
separar, mais uma vez, as ideias de “ser” e “dever ser”. É
agora que se faz ainda mais absurda a ideia de haver “falta de
recursos” para isso. O que há, por sinal, é pura falta de
vontade. Lembremos dos milhões gastos (e arrecadados) com o
entretenimento e reflitamos nas possibilidades.
Ora,
é inegável a necessidade de lazer e entretenimento; por que não
uni-la às necessidades de esclarecimento?
Não
só inútil como também contraproducente é concentrarmos nossa
crítica no aspecto visível das atrações televisivas, pois o
problema maior não é o que se mostra, mas a ausência do que
deveria ser mostrado. Se o povo em geral faz questão de dar
tanta audiência a certos programas, é certamente porque quer
mesmo ver aquilo. Trata-se de um fato antropológico, e não pode
ser encarado com moralismos.
Não
se critica, aqui, o que a televisão mostra atualmente, pois seria
uma perda de tempo, mero “chover no molhado” ou puro puritanismo
(sincero moralismo ou hipocrisia pura e simples), crítica
não-construtiva, enfadonha repetição de um conformismo
imaginativo coletivo: coletiva preguiça de pensar.
O
povo quer sexo: pois que se lhe dê sexo! – mas com a devida
instrução. Isso em nada diminuiria o Ibope, caso fosse apresentado
aos moldes de entretenimento, e não didaticamente, como numa
sala de aula. Poderia haver um quadro fixo em um programa de alta
audiência (como os que empesteiam as tardes de domingo), uma espécie
de descontraído bate-papo com alguém que entenda do assunto,
cientificamente, e ao mesmo tempo não tenha papas na língua e saiba
comunicar-se em público, uma figura pública de identificação
imediata. Havendo uma sessão de cartas dos espectadores, melhor
ainda. O quadro se chamaria “Falando de Sexo” ou algo do tipo, e
teria muitos minutos de duração, pois o assunto é inesgotável e
absorvente. Não se excluiria eventuais atrativos do erotismo,
justamente com o propósito de garantir a audiência, de modo
definitivo. Certamente, seria um quadro aguardadíssimo pelos
telespectadores, e renderia considerável audiência.
Não
se pode tirar o sexo da TV (seria muito moralismo), mas acrescentar
um elemento construtivo, instrutivo, ao lado do inevitável
entretenimento de cunho erótico.
Bom
é nos concentrarmos nas críticas construtivas. E há fortes motivos
para colocarmos nosso foco primeiramente na questão de sexualidade.
Atentemos
para o relato de um fato muito comum, que aparenta a princípio não
guardar relação alguma com a mídia de massa, mas que se revela
inadmissível em tempos de tanta celeuma em torno dos avanços da
comunicação.
É
notória a quantidade dos casos de preservativos que se rompem
durante o ato sexual. E nem é preciso recorrermos a um instituto de
pesquisa para nos dar conta disso: basta iniciarmos o assunto em
qualquer roda de bate-papo, e logo ouviremos alguém (mais de uma
pessoa, geralmente) comentar, com descontração, o seu caso de
“arrebentamento” que se deve (“invariavelmente”) à
má-qualidade do artefato. Há mesmo quem pense em reclamar para o
INMETRO... É um fenômeno ocorre até entre universitários e as
pessoas em geral que se alegam bem-informadas. O que está
acontecendo?
Muito
simples: a grandessíssima parte dos bilhões de seres humanos
viventes neste planeta ainda não tomou conhecimento de que precisa
tirar todo o ar do reservatório espermático localizado na
extremidade do preservativo, antes de qualquer relação. Alguns
fazem até o contrário: ignorando os mais elementares fatos da
física, chegam a pensar que o ar deve ser deixado ali naquele
minúsculo espaço, justamente para receber o sêmen...
E
lembremos que, ocasionalmente, surgem na televisão nossos ministros
da Saúde (quem quer que sejam), em brevíssimas propagandas
“informativas”, apenas para dizer o que todos já sabem, e nunca
a URGÊNCIA (simplíssima!) que quase todos desconhecem.
A
falibilidade das propagandas informativas atuais é, pois, evidente.
De nada adianta contratar os serviços de agências de publicidade
que recheiam os anúncios de mirabolantes efeitos especiais ou
imagens de impacto, se as noções mais importantes acerca de
sexualidade (e o que dizer de outros assuntos!) são evitadas
recorrendo-se ao insustentabilíssimo argumento do “tabu” popular
que não pode ser ferido.
Falar-se
em tabu, em circunstâncias assim, é mais que uma hipocrisia; é um
autêntico assassinato da inteligência humana. Num país em que a
maioria das crianças nem sequer acredita em Papai Noel (e nem o
pode); onde a televisão mostra continuamente cenas quase explícitas
de sexo fora de um contexto de horário e circunstância ou, pior
ainda, violência explícita (sem o “quase”), o mínimo que se
poderia fazer seria falar abertamente de temas como sexo e
violência, pois as famílias, tanto quanto os núcleos domésticos,
já conhecem bem a face fenomênica destes termos.
Os
meios de comunicação têm plena capacidade de instruir a população
no que esta mais precisa saber: para isto não é necessário que se
gaste um só centavo a mais do que já se tem desperdiçado com a
desinformação. Poderíamos ter aulas de política e cidadania
durante os programas mais populares, sem que estes assuntos se
mostrassem modorrentos e tediosos. A mídia possui mil recursos para
tornar uma informação interessante e atraente, mas, aqui, continua
valendo o mesmo que já dissemos sobre o ensino escolar – jovens
que crescem desestimulados a estudar, pela falta de emoção e senso
de aventura com que são transmitidos os conhecimentos.
Não
há assunto que não possa ser abordado, nada a se esconder. Nada que
possa chocar pessoas já acostumadas a assistir, forçadamente, o
espetáculo sangrento dos reality shows do cotidiano...
Relembrando
o quadro da “favela transcendente” anteriormente citado, pode-se
conceber agora o poder de uma campanha efetiva, conjunta entre o
Estado e a mídia de massa, no que diz respeito ao controle de
natalidade e erradicação de doenças sexualmente transmissíveis,
entre outros tópicos que servirão como ponto de partida para um
mais amplo processo de reeducação coletiva, culminando na inserção
de todas as pessoas na plenitude da cidadania.
Esta
campanha, que gostaríamos de não considerar uma mera utopia, poderá
chamar-se “Projeto Horário Nobre”; sendo arquitetada após
sérios estudos dos temas abordados.