A saga de ‘O Enigma de Outro
Mundo’ começou com a publicação, em 1936, do livro ‘Nas Montanhas da Loucura’
por H. P. Lovecraft. Nele, uma expedição americana na Antártida constituída por
estudantes da fictícia Universidade Miskatonic (a mesma do personagem Herbert
West de ‘Re-Animator’) descobre vestígios de uma civilização alienígena oculta
desde os tempos pré-históricos: os ‘Elder Things’. Eles tinham algumas
características em comum com plantas e humanos, e desenvolveram técnicas de
criogenia, que, suspeita-se, tiveram papel no desenvolvimento das formas de
vida terrestres. Entretanto, as tais técnicas criaram vida própria, escaparam
do controle de seus criadores e se transformaram em terríveis seres
metamórficos que acabaram por aniquilar os Elder Things e agora se tornaram uma
ameaça à humanidade. Essa história é célebre, entre outras coisas, por ser
pioneira da teoria dos ‘deuses astronautas’ e de ter servido de inspiração para
a saga cinematográfica Alien-Prometheus, em tempos recentes.
Em 1938, John W. Campbell Jr. (também conhecido pelo pseudônimo Don A. Stuart) publicou o conto ‘Who Goes
There?’ (no Brasil: ‘Quem Está Aí?’), que pega várias premissas da história de
Lovecraft, que obviamente ele já havia lido, já que Campbell Jr. fora editor da
própria revista na qual ‘Nas Montanhas da Loucura’ havia sido antes publicada
em folhetins. Aqui, uma base de pesquisa americana na Antártida descobre, sob o
gelo de milênios, um alienígena com capacidade de se metamorfosear à semelhança
de qualquer criatura orgânica. Ele primeiramente tenta se fazer passar por
Charnauk, o cão husky da turma, para melhor estudar os humanos às escondidas,
mas é então flagrado, e a partir daí passa a se repartir em vários pedaços
independentes, espalhando-se pelo ambiente e infectando cada humano que
encontrar. A criatura, quando ataca, manifesta-se com ‘olhos vermelhos’ e
tentáculos extensivos.
Campbell Jr. produziu ao mesmo
tempo uma versão mais extensa da história, classificada como romance, sob o
título ‘Frozen Hell’ (no Brasil: ‘O Enigma de Outro Mundo). Esta, porém, só
seria publicada após seu falecimento. A única diferença entre as duas versões é
que o conto inicia diretamente na parte em que os pesquisadores estão
examinando o mostro supostamente morto, enquanto que no romance, há todo o
prólogo apresentando as caraterísticas da base na Antártida e introduzindo
melhor os personagens.
No cinema, a primeira produção
inspirada nestas obras foi ‘The Thing From Another World’ (no Brasil: ‘O
Monstro do Ártico’), de 1951, dirigido por Howard Hawks e Christian Nyby. Agora
a ação é no Polo Norte, mas as características e nomes dos personagens são
todos da obra de Campbell Jr. O mostro, entretanto, é uma forma de vida vegetal,
atropomorfizada, o que é mais condizente com a obra de Lovecraft. E nem sequer
tem capacidade de mudar de forma livremente. O interessante é que, aqui, estes
aspectos de predador-presa num ambiente confinado parecem antecipar ‘Alien - O
Oitavo Passageiro’.
Em 1972, foi lançado o filme
‘Horror Express’ (no Brasil: ‘Expresso do Horror’), produção espano-britânica
que pega vários elementos de Lovecraft e Campbell Jr. (mas sem creditá-los) e
coloca a ação na Sibéria de 1906. Um fóssil do que seria um homem-macaco
pré-histórico é descoberto congelado nas montanhas da China e transportado por
um antropólogo num expresso transiberiano. A criatura, contudo, revela-se um
alienígena ‘disfarçado’ de ser pré-histórico, e passa a contaminar os
passageiros do trem, transformando-os num exército de zumbis hipnotizados que
deveriam auxiliá-lo a conquistar a Terra. Os recursos e efeitos especiais são
precários, mas o clima denso e assustador é marcante.
Em 1982 John Carpenter nos
trouxe a versão mais popular, ‘The Thing’ (no Brasil: ‘O Enigma de Outro
Mundo’). Razoavelmente fiel ao ‘Frozen Hell’ de Campbell Jr., em termos de enredo,
introduz como acréscimo a subtrama de uma base norueguesa na Antártida,
paralela à base americana. O monstro, com seu design extremamente deformado, do
modo mais horripilante concebível, parece mais condizente com as obras de Lovecraft,
neste caso – aliás, a estética do filme é notoriamente ‘lovecraftiana’.
Curiosamente, os ‘olhos vermelhos’ da criatura, algo bem presente na narrativa
de Campblell Jr., ficaram totalmente de fora nesta versão. Provavelmente, para
deixar de lado a impressão de que o alienígena teria uma ‘forma original’.
Em 2011, ainda produziu-se uma espécie de prólogo para
o filme anterior, mas com o mesmo título original, o que facilmente
confundiu-se com refilmagem. Tentou-se manter os mesmos designs e estética de John
Carpenter, mas aqui houve notáveis furos de roteiro – os
espertos logo notarão como se perverte o princípio mais básico da Física, o de
que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço...