sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Vrum




Desmaiar, mil vezes desmaiar. Senhor, dê-me a bênção do desmaio. Diante deste público, desta aglomeração horrenda, destes olhares turvados que insistem em não querer saber quem sou.

Mil vezes apagar, dormir o sono imperturbável das corujas e morcegos – inocentes. Sentir-me levado na maca como se o fosse por um silente barqueiro cadavérico rumo a uma eterna mansão de descanso profundo, que seja profunda.

Evaporar-me, quem dera. Ser um não ser, mesmo que apenas experimentalmente. Sair de mim; do mundo, do meu livro, das minhas palavras, da minha sombra e da minha luz. Pura descompressão.

Sem um corpo que pague com dores pela ousadia da alma; sem uma alma que sofra os padecimentos do corpo e dos efeitos da gravidade terrestre. Sem Terra, sem chão, sem raízes.

Quero, descaradamente sobrepujando a sina de respirar, o direito a ser respirado. Quero invadir as narinas, os poros e qualquer orifício de cada ser tão enganosamente sólido e tão verdadeiramente poroso e penetrável.

E sair pelo outro lado.

Sair... Ó o deleite de sair! Perenemente em meio a um universo-só-interstício!








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