A última vez que morremos,
tivemos a glória de
contemplar
cada segundo da surreal
decomposição
dos nossos trajes de
noivos.
O pequeno crânio de
cristal
que sorria no canto
direito da escuridão
havia reiniciado seu
ininteligível
discurso pseudofilosófico
com aquela voz típica de
esquilo chipmunk
impossível de ser levada a
sério.
Mas nada era tão sério
assim.
Foi nesse segundo que
lembrei,
por uma breve eternidade,
de uma cena já passada há milênios.
Nós dois nos equilibrando
de braços abertos
sobre as folhas flutuantes
no rio que seguia
mansamente
até o horizonte de todas
as possibilidades
da imortalidade.
Nem os inocentes batráquios
ao redor
conseguiam nos capturar,
talvez por sermos ainda
menores, e mais ágeis,
que as línguas deles.
Bastou, entretanto, apenas
algumas piscadas de olho
para mergulharmos
novamente
na faixa de realidade que
nos foi imposta.
Cataratas desabaram sobre
nossos dorsos
enquanto afundávamos
no abismo resplandecente
emparedado pelas risadas e
choros musicais
das gerações de atores anônimos
que nos educaram para a
morte.
Os mundos desfilavam
diante de nós
como contas de pérolas ou
gotas de luz
roubadas das memórias dos
prismas enciclopédicos
erguidos sobre o caos
das civilizações
arruinadas.
Éramos nós que desabávamos
e nos reerguíamos
ao ritmo dos ciclos dos
séculos.
Nossos lindos e disformes
corpos
ostentavam as marcas
notórias
de cada época e ideologia.
As coletividades
costumando nos surrar
e expulsar continuamente
de suas pátrias.
Mas os espaços foram
marcados.
Sempre um sinal, um
vestígio
por onde passamos.
Mesmo que nunca tivéssemos
chegado a um acordo
sobre o que éramos e de
onde viemos.
O que importava... e ainda
importa...
era (e é) para onde
conduzimos
a barca festiva dos
defuntos
mais vívidos e coloridos
que as terrenas lendas
já tão opacas e decompostas
pelo auxílio das traças
da estagnação de cada
cultura.
Ninguém jamais suspeitou
das nossas aventuras
durante os nossos sonos.
Somos eternamente
os pontos de luz
contra o fundo escuro do
tempo.