segunda-feira, 7 de junho de 2021

Poema comestível VII




Tão logo a noite cai,
aquela fomezinha indecente
arde na barriga dos insones.
Tão logo cai a noite, os ratos vêm atentos
farejando pelo exotismo
que lhes faz o paladar e o sustento.
                  
As pilhas de restolhos se acumulam até o céu
diante dos pequeninos olhos brilhantes
que vasculham esse Éden
pelos humanos denominado lixão.
 
– Sabemos o que queremos.
 
Uma vez, aquilo era uma bicicleta.
Uma vez, aquilo era uma poltrona.
E, finalmente,
aquilo que era fresco e delicioso a uns
agora é podre e horrendo aos mesmos uns
mas subitamente atrativo às criaturinhas.
 
– Se esbaldar, se lambuzar,
chafurdar como nunca... Isso! Isso!
– É o que podemos chamar de Vida.
Doce, doce rotina...
 
Paraíso de gostosuras...
Cornucópia de farturas...
 
Saciedade, por fim. Mas a gula persiste.
Natureza implacável.
 
Então, se avista um monturo
feito de muitos papéis
e coisas feitas de papel.
Sobretudo, pilhas de blocos e cadernos
– essas coisas irrelevantes.
Baratas, traças e pulgas caminham
sobre as letras, essas tão insignificantes.
 
<P-O-E-M-A-S>
 
– Uhm. O quê temos de interessante aqui?
– Confesso que ainda não havia visto algo igual.
Comível, será?
 
(Minhas noites procuram ainda
por luzes novas nas alturas,
coisas discoides ilusórias,
balões circundando altas torres,
pássaros que retornam para nós
sem necessidade de gaiolas,
igrejas iluminadas de Natal
cuja razão de ser última
é tão somente a beleza compartilhada,
e agora a beleza tão oculta e velada
– sabe-se lá por quê –
que reside em mim,
salta de mim,
flui de mim inesgotada,
abraça a cidade, o estado, o país
e todos os mundos
generosa e magnânima e total e tudo
e ainda assim...)
 
Alta madrugada. Há muito
os pequeninos haviam se dispersado,
após algumas lambidas e roimentos.
Repugnados. Enojados.
 
A tamanha inutilidade,
a tamanha descartabilidade,
o tamanho atentado
ao Espírito do Tempo
roedor.
 
(E agora, para frente!)








Nenhum comentário:

Postar um comentário