“(...) seremos um caso
isolado? (...) O que significa ser humano, ser apaixonado, ter ideais?”
Droga...
Sonhei com extraterrestres de novo. Detesto sonhar com extraterrestres. É tão
melancólico, uma luz tão fria... a gente se sente tão insignificante.
Sei
que para a maioria das pessoas, sonhar com extraterrestres não é melancólico,
mas apenas bizarro, ou, no mínimo, cômico. Mas para mim não. É estranho e
difícil de explicar, mas a atmosfera é só de melancolia, uma espécie de
niilismo inerte, paralisador sem humor e sem paixão.
A
impressão é que, diante deles e desta atmosfera, nós, humanos, somos meros
animais irracionais, sentimentais, com nossas poesias e esperanças tão
estéticas, tão emocionais. Impulsivos e apaixonados. Eles não têm nem pena e
nem ódio, apenas nos olham do alto, com ar de superioridade, como máquinas
autoproduzidas, seres que já viram de tudo, já vivenciaram tudo que a vida
tinha para oferecer e agora já não se admiram mais com nada. A luz é fria, sim,
sem humanidade, sem aconchego, sem poesia. Não tem aquela profusão de cores,
aquela pirotecnia a la
Spielberg. As naves vêm e vão com o maior ar de tédio; eles
vêm e vão com ar de tédio e glacial monotonia.
Mas
pode ser que eles nos invejem. Talvez tenhamos algum significado no universo;
pelo menos é bom para nós acreditarmos que sim. Mas seremos um caso isolado?
Ou, como cães no cio, que consideramos isso o Grande Êxtase? O que significa
exatamente essa passionalidade, ou melhor, o requintamento da passionalidade?
Seria uma diferença apenas de grau? Esse esquema William Shakespeare, meio
Romeu & Julieta, “morrer por amor”, ou então a crucificação de Jesus... A
cicuta de Sócrates... Seria tudo então uma espécie de suicídio disfarçado, uma
inútil renúncia à vida, como alegava Nietzsche? O que significa ser humano, ser
apaixonado, ter ideais?
Mas
eles nada respondem. Não deixam vestígios. Sua escrita e sua arte (?) parecem
abstratas, talvez minimalistas – sim, sua tecnologia é minimalista também; não
é como nos filmes, essas naves cheias de rococós eletrônicos. É tudo liso,
chapado, uniformizado, limpo, unilateral. Não são naves de brinquedo,
computadores engraçadinhos; não tem nada de jogos virtuais – a luz parece ser
algo que não se deva desperdiçar. Que horror! Como se a luz, a cor e a brincadeira
pudessem ser desperdício de algum modo! Parece aquela tese maluca dos neognósticos,
de que nunca se deve “desperdiçar” o sêmen... Não há mesmo uma ignóbil
semelhança?
Pois
bem, eles os aliens, usam a luz, mas não é o que entendemos por LUZ, aquela
metáfora de esplendor e divindade. A luz deles é uma luz de niilismo, de vazio
da alma, de total descrença.
Mas
penso que, apesar de tudo isso, deve existir algum resquício, ainda que ínfimo,
de luminosidade humana no interior deles. Uma esperança, um desejo de
recuperarem um paraíso perdido. Deve ser isso, essa luzinha que não se apagou ainda,
ainda instigante e atrativa, que os incita a virem nos procurar, mesmo que eles
não saibam muito bem o que estão fazendo, já que às vezes nos exploram e nos
assustam, mas esse interesse pela ciência do susto talvez indique uma solução
para eles.
Ah,
humanidade, não deixe isso acontecer... Se algum cientista criar um mecanismo
evolutor ou modificador dos nossos genes, do tipo que só causa o aumento da
capacidade cerebral em detrimento do refinamento do emocional, poderemos todos
nós, os “párias” e “degenerados” que não aceitamos essa mutação-escravidão,
acabarmos nos tornando meras cobaias nas mãos desta ciência inumana,
orgulhosamente super-humana, que desconsidera a riqueza da dita “baixeza”,
todas as alegrias e êxtases que essa “baixeza” pode proporcionar, toda
plenitude das brincadeiras infantis, dos beijos dos amantes, dos
espreguiçamentos, das sagradas indolências, da magia instintiva que nos faz
sorrir, rir, gargalhar, chorar, cantar, dançar, viver e amar.
Por
favor, livrem-nos do Nada, esse tétrico fantasma de sedução espacial;
livrem-nos, ó vocês bondosos anjos das alturas!... Quem são vocês? Onde estão?
Aflorem
então das alturas do Infinito de nós mesmos, destes céus ricos e estrelados, de
encanto e beleza, que reluzem aqui, dentro de nós!
........................................
Guirlanda vaporosa
Devagar... nos deixamos atrair pelos
primeiros raios de sol.
Devagar... empilhamos o feno nos
campos.
Devagar... as nuvens de sonho se abrem
e expõem seu âmago rosa.
Devagar... as tropas elegem seu novo
comandante.
Devagar... as flores se abrem para o
seu amado.
Devagar... soltamos a poeira cósmica
sobre as peças mortas do museu.
Devagar... sairemos de nosso refúgio
para contemplar a melodia
– assovia o novo sinal dos tempos,
sinestesicamente acalmado,
anestesiado das dores agudas
das partidas eternas
e das cidades sem horizonte.
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