terça-feira, 3 de abril de 2018

Poema comestível II





Eles estão chegando.
Eles estão se arrastando sem maiores cerimônias.
Farejando obstinadamente
o rastro do aroma substancioso
e seguindo o instinto devorador, acumulado
desde as origens pactuais
do Estado Civil e Eclesiástico
dos pães ázimos e dos circos incendiados.

Minha lira genocida.
Meu passado assado em estacas.
Meu lamento esfaimado
pelo verbo desperdiçado.

Nós viemos pela apresentação,
representando a antiga farsa ou auto
dos que vêm dos Céus
em busca do toque e do reconhecimento
por parte das filhas da Terra,
autoprometidamente pródiga, submissa e produtiva.
“Oh! Que sedutora filosofia
nos escapa pelas negras chaminés...”

Minha lira genocida.
Tua sádica manhã de chuva.
E os versos autotróficos
exalados pelo teu ventre relicário.

Ário. Ecoas rítmico,
desenhado na textura da lembrança.
Caindo em meu sono
como um sopro fantasmal revigorante.
Mas não retenho-te o bastante:
as hordas que lá fora esbravejam
rompem-interrompem
nosso intimismo-misticismo infamante.

Rompedora, rompida lira
dos tempos de dor.
Não coloques em minhas mãos teu instrumento.
Quando incendiávamos mesquitas
e afogávamos semitas,
teu delicado falsete
pairava muito e muito acima de todos os esbravejamentos
cadenciados...

E ei-los no banquete, enfim:
tangidos pelo restolho instintivo,
(margeando o caolho lirismo),
repartindo (não sem desentendimento) os despojos
das vítimas óbvias.
Santos e inocentes demônios
que bebem e se intoxicam
com o rubro de todas as nossas maldades...

Estivemos sempre “chegando”
– lê-se nas legendas.
Sempre e para sempre nos esgueirando
para fora dos covis
da Cristandade Técnica.

Eternos famintos
de novas e velhas fomes.

Propulsionando as engrenagens e as molas
da Indústria Imperial da Comida Rápida
filosoficamente justificada.








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