a abóbada em escárnio ancião
sobre aquele que conhece a revolução
dos astros
e a face dos meteoros,
mas nunca suas causas
– nunca investigadas, nem mesmo
suspeitadas,
na desistência da tarefa de encontrar
ou produzir algum sentido
no mundo que se sucede e vibra.
A multidão vibra e corre
para ver o espetáculo do faquir hindu esquálido,
rei-súdito de seu além-mundo,
convidado de honra do banquete
invisível
de seu abstrato Ideal.
Imponderavelmente levitado sente-se
ele
para além da compreensão das ondas
aéreas
e da ressonância do satélite
que propiciam ao mundo da Tecnologia
e do Mercado (livres)
a visão da tão admirada resignação.
Transmissão feita.
E eis que a sedução do vácuo dos
desejos
acende-se iluministamente
nos frízeres e nas geladeiras
dos televideociberespectadores.
(Corte para o azul.)
Nada, você não parece mais o mesmo...
Faz tanto tempo desde que nos amamos e
brigamos
pela última vez...
Extraíamos de nós ambos
tanto oposição como identificação,
e de cada uma destas,
várias e extraordinárias festas,
onde e quando eu me deliciava
de cair em suas frestas.
Nada, com seu humilde poder
(“ação pela não ação” – era o que você
dizia
naquele livrinho poderoso, não?)
você chegava ao cúmulo de me impelir,
metodicamente, a superar você,
para que ainda assim (ou por isso
mesmo)
meu amor por você fosse ainda maior,
pela minha agora possível
autojustificação...
Nada, meu tudo,
meu belo amante
surdo-mudo.
(Corte para o preto. Estruture na
linguagem onírica.)
Questão de interpretação?
Questão de tradução?
Exegese duvidosa?
Ela não poderia agora saber a
resposta.
Deixou-se fluir pelo corredor espaçado
como se não tivesse mais os pés.
Mas estava ainda firme na resolução,
a resolução de meio-minuto atrás
– ao menos poderia firmar-se por mais
meio-minuto.
A imagem do santo martírio
televisionado
ainda estava fixa em sua retina.
A voz da consciência,
em reverência à sabedoria distante,
ardia-lhe o irracional estômago.
(Hahahahahahahahahahahaha)
Ela sabia ou não sabia?
Precisava de uma maior garantia...
Mas agora os espaços se ampliavam
(seus sentidos?)
tenebrosa e esperançosamente;
o escuro dos abismos intergalácticos
acusando-a pela desonra esfaimada
do seu ventre.
Acrofagia.
A última utopia.
(...)
E depois da linda sessão de vômitos,
sentamo-nos ao redor dela
com uma expressão dramaticamente
melancólica.
Não que às vezes não dê vontade de rir
– ela nos tem proporcionado alegres
momentos –,
mas é que esta sensação quase sempre
se neutraliza
pelas lembranças que temos então
de nossas vidas passadas...
Os papéis esdrúxulos que encarnamos,
as escolhas estúpidas de que nos
alimentamos
e sempre culpando alguém pelo que regurgitamos
através dos milênios.
Regurgitamos hoje os milênios.
Pulverizados em letras em páginas.
Todos nós em um só ser,
todo numa única intenção convulsa.
O grande gigante mártir
defeca o mármore dos trabalhos e dos
dias.
Escravos de nossa própria arte –
sempre a mesma recorrência.
Até que enfim nos insurrectemos
com a coragem necessária
para destronar e matar o tempo.
Mil paraísos frutificam
nas páginas utopistas de um Velho
Mundo.
Mil delírios me
(Corte!)
E ela então recomeça a comer,
escrava de seu vácuo.
Uma antiga relação de Amor e Ódio.
Eterna retroação do mecanismo.
Atuante invisibilidade
do mecanista.
Quem dera deste ser as pistas
se iluminassem...
Ele retoma o exercício,
inspirando cada vez mais lentamente.
Uma estátua de interior oco
cada vez mais repleta de familiar
desconhecido.
Um espectro transparente decola
das fendas dos desertos fumegantes,
carcomidas as estepes.
Derretidas as eternas verdades
dos picos despertados
das planícies submergidas na
conflituosa ária.
Interna dor-sabor vomitada
nas fuligens da galáxia.
Deuses subatômicos deslizam
para a morte estetizada.
Mas nada disso tem matéria.
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