Há algo estranho no céu,
pairando na noite,
aguardando a atenção dos mortais,
separando as trevas da luz,
apontando a imortalidade
submersa no cotidiano.
O chamado nos domina
e nossos olhos perdem o foco,
mas não reclamamos, cultivamos a
tendência
de louvar o que está além de nossa
compreensão.
Há algo estranho no céu,
pairando acima da colmeia urbana,
acima das excitações burocráticas
e tu me chamas pra ver,
esquecendo que eu sempre pergunto
antes,
cansado de surpresas desagradáveis.
Mas tu me garantes que o desagradável
acabou,
e eu digo que talvez só “acabe” de surpreender.
“Tanto faz,” tu dizes,
“há algo estranho no céu.”
Há algo novo acima de nós,
ainda mais emocionante que as
trivialidades
pelas quais suspiramos,
menos distante
que a tradição de nossos ancestrais.
Uma antiga promessa se cumprirá,
uma consolação se erguerá
em nossos quintais.
Há algo novo na cidade;
a multidão remida cala e admira
o fim da era do mensurável.
Há algo zumbindo em nossos ouvidos,
sinestesicamente doce e salgado,
mas o azedo e o amargo estão em algum
lugar
e talvez estejamos em todos os lugares
quando olhamos para o céu.
As luzes do arranha-céu
não escondem o brilho infinito
que destoa a rigidez da paisagem
em nebulosas multidimensionais
desaguando em nódoas falantes,
espectrais.
Balbucias teu mágico esperanto,
tremeluzes tuas constelações mentais
sobre minha intrepidez infantil.
Os rastros luminosos dos veículos na
noite
são outros tantos dias
ou fragmentos da explosão original
e, de súbito, o teu sorriso girante
apresenta um desvio para o vermelho
e eu digo que prefiro o azul;
há algo estranho no sul.
Há algo girando sobre nossas cabeças,
algo mais alto e profundo
ocupando toda a extensão do céu.
Não podemos olhar diretamente,
mas não faz mal,
pois temos um ao outro
e agora te vejo em tuas reais cores;
desfraldo tuas escamas impermeáveis;
lantejoulas virtuais te levam para a
minha boca
tremulante de cantares cósmicos;
dores orgásticas cortam
a emissão cromática da tua figura
esquivante.
Ouço teus uivos e nada mais posso
fazer,
choro como só os lobos choram
de prazer insano e sagrado;
pontas e farpas de fantasias latentes
perfuram a pele de nosso arquivo
inconsciente
que aponta para a mais relevante fonte de
luz.
Procuro-te nas alturas, danço teu
samba astral,
caio no ventre do vale,
trago fundo teu ar,
há algo estranho no mar.
O mar do teu vestido ventante
liquidifica-me na poção protoplásmica
da síntese da mescalina;
boquiabro-me em silente expectativa;
a máquina rotativa
marca-nos com raios espasmódicos;
a catarse polimorfa nos estica,
atira-nos contra as paredes do
absurdo,
nutre-nos de éter candente,
esmaga as informes rogativas
em tubulações vibratórias de emissões
automotrizes.
Circunvoluções robóticas,
ondulações hipnóticas enlaçam as almas
– simbióticas unidades de pensamento
no pândego do êxtase cardeal:
introspecção radial,
delírio extrassensorial.
A psicogênese dos pavores planetários
expõe-se no derradeiro segundo;
embarcamos no morno berço
da segurança cosmoexpansiva,
um jorro ramificado de aglomerações
moleculares,
um risco diamantino no vitral do céu
hiante...
Nada será como antes.
Há algo diferente esta noite
e sinto um vazio delicioso;
cremosamente me lanço na abertura
que se escancara diante de meus olhos
famintos;
mergulho no sorvedouro da liberdade e
lá viajo,
enquanto que ao meu lado as visões
multifacetadas
passam velozes e então
policíclicas delícias impregnam-me as
antenas
até que chego ao coração
do teu outono secreto,
polinizo as fotocélulas da tua vida
copiosa
para que algo em mim vá ainda mais
longe;
cruzo o portal do desconhecido,
sumo para sempre e me reencontro
amanhã,
cavando camadas de sedimento glacial,
comendo os fragmentos das pedras
preciosas
que colhi de nosso jardim móvel,
devoro teus bonsais e tuas ikebanas
debaixo dos teus cabelos de fada bruxa
elfo
monja enviada dos astros
em minha existência oscilatória;
agradeço-te explosivamente pela
revelação;
como prova de minha gratidão
envio-te via satélite um apaixonado
solo
de minha Stratocaster exobiológica;
há uma febre astrológica.
E pensar que era mera fluorescência
entre as persianas,
singelas gotas de ectoplasma...
E agora o quadro ampliado
que deslumbra e estarrece:
onirismos indevassáveis,
murmúrios inomináveis,
cânticos intraduzíveis,
perdas irreparáveis,
ganhos incalculáveis,
segredos milenares,
visões irretratáveis,
risos lapidares,
prantos inconsoláveis,
pautas incantáveis,
roteiros infilmáveis,
culpas intransferíveis,
caminhos sinuosos,
verdades reveladas porém ininteligíveis,
perfeições irretocáveis,
paixões inflamáveis,
corações alvejados
no centro do universo.
(ESPAÇO
RESERVADO
PARA
OS
SENTIMENTOS
INVERBALIZÁVEIS –
O
MOMENTO
DA
GRANDE
E
ÚNICA
SUSPENSÃO
ABSOLUTA
DE
TODA
E
QUALQUER
CIRCUNSCRIÇÃO.)
Há uma coragem radiante
enquanto vagamos pelas ruas molhadas
como dois anjos futuristas,
invisíveis para os descrentes
e sólidos para os reverenciadores
da mais grandiosa e sublime força.
Vértices de fogo espumante
suavizador das existências passantes.
Vertendo glórias palpáveis
de um perene futuro endógeno.
Vagamos, vagaremos porventura?
Não, não deixes nunca a Força me
abandonar,
não deixes que eu abandone a Força;
mas
algo se vai, algo se afasta no céu;
meu Deus, nosso Deus,
me acode, nos acode;
me diz, me convence que é real,
substancial o que diminui no céu,
o que se desmancha diante de nós,
o que mergulha na expansão,
antes que o sonho acabe,
antes que a banda passe,
antes que a luz se apague,
antes que o nosso tempo volte a correr
e nada mais nos surpreenda...
e nada mais nos surpreenda...
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