terça-feira, 29 de agosto de 2017

O ornitorrinco melancólico





O mundo onde tudo pode acontecer
em nome da exótica criatividade da natureza
não parece mais manter sua propagandeada aura de sedução,
numa hora dessas.
A hora em que fica patente a altura da muralha
da limitação do conceito.
A hora em que as línguas ficam presas,
as vistas embaçadas, a esperança
desmoronada diante da intrepidez
da tolice coletiva que agora vem marchando
monomaníaca e uniformemente rasa
de imaginação conciliatória.

As árvores cinzentas dando frutos amargos.
Ruas barrentas como prantos de ogros celerados.
Apitos, guinchos, urros e ruídos dolorosos
difíceis de identificar.
Uma tela pálida encobrindo as saudosas paisagens de idílio.
Parecem cobras, parecem correntes,
quem sabe novelos de tentáculos irracionais
que agarram filhotes de uma rara fauna.
O menos épico, menos nobre,
mais inculto e mais óbvio tipo de agressividade,
aquela que não consegue sequer sustentar um tom
em seus cânticos de guerra guturais.

Nunca fora tão fácil e simples e rápido
transformar em pó e sujeira
nosso longamente cultivado oásis familiar.

Pensávamos que poderíamos ir longe com nosso dom,
nosso repertório de conhecimento,
nosso hábil linguajar versátil.
Os rococós ornamentais do prazer inédito
cuidadosamente distribuídos nos pontos centrais das moradas
e locais de trabalho e lazer.
E enquanto isso, a vilania audaciosa
da força exterminadora de sonhos
construindo pedra por pedra o massivo poderio bélico
capaz de esmagar uma primavera.

Ei-la aí esmagada
diante dos úmidos olhos infantis.

O paraíso tragado pela caverna.

Não, você não está padecendo sozinho!
Receba o que tenho e produzo de melhor.
Receba uma flor, uma fruta e um leito
neste interstício arejado
de varonil e sóbria melancolia.








Nenhum comentário:

Postar um comentário