Há muito que eu a observo e
busco,
ela, a ave paradisíaca
cuja beleza ofusca até mesmo
a própria Natureza que a gerou.
Em minha infância deparei-me com
ela
sem que precisasse buscá-la,
como numa artimanha do acaso.
Na busca me perdi
em mundos distantes e hostis,
enquanto crescia
e formulava minhas peculiares
teorias
sobre como suportar certezas e
incertezas.
Então ela surgia voando,
cobrindo meu caminho de esperança
e desespero;
empoleirava-se para cantar,
atordoava-nos com sua melodia
e imediatamente fugia para o
mundo dos sonhos
(ainda inconcretizáveis).
O tempo me foi curvando,
golpeando
e me forçando a cantar,
e aquele canto e aquela imagem
de plumas iridescentes e
nebulosas,
de superioridade e indiferença,
de mistério e força e delicadeza
me surgia
nas alturas inacessíveis
e eu, plantado ao solo pedregoso
das ocupações dispersantes do
sentimento,
desabava e levantava,
desistindo e persistindo,
oscilando como um pêndulo fatal
ao som da melodia doce e atonal
que me perturbava e deliciava,
torturava e fazia gozar;
o êxtase e a loucura
entre galhos e telhados esquivos,
passeando e desafiando o tempo e
o destino,
armadilhas e gaiolas
e meu coração aprisionado
ritmicamente tentava acompanhar
aquele canto que insistia em
fugir
das pautas imaginadas,
jamais retido em cadências
restringidoras.
Por vezes eu a esquecia,
brevemente,
entretido futilmente
nos afazeres alienantes das
criaturas da terra,
mas algo faltava,
algo voava
longe e perto, mas ainda
inacessível
ao toque, ao exame minucioso
dos meus olhos famintos
de belezas e contradições significativas...
Viesse ela beijar-me os lábios!
Arrebatar-me ao seu céu
ilimitado!
Mas a (sólida) solidão
fixava-me
à minha condição.
Pude, no entanto, entreter-me
na construção de novas
armadilhas,
agora mais discretas e
personalizadas...
Uma delas parecia de fato
infalível
e foi posta para funcionar
numa tarde agourenta
na qual me ocultei,
insano pela necessidade,
exausto pelo sofrimento.
Ela estava à vista,
visível como só raramente:
foi então que pude liberar
o canto ritual.
Nenhum instinto aéreo se manteria
inerte,
eu sabia, inerte diante do
chamado.
“Venha, pássaro dos meus sonhos!”
pensava eu, na antecipação da
vitória.
“Venha ao seu cativeiro,
venha ver que a sua retenção
significa
a liberação de todo sonho
universal!”
E lá ela entrou e permaneceu,
como se não fosse ela mesma,
como se suas cores e sua voz
se transmudassem em múltiplos significados
de contínuo.
Não cheguei a desfrutar o
bastante.
Nada dura o bastante
no mundo das mutações.
Num impulso selvagem,
ela irrompeu para fora do
recipiente,
me derrubou e se transformou
em algo que jamais pude entender,
pronunciar ou representar.
Disse ela com todas as palavras:
“O seu objetivo sempre fugirá de
você
enquanto você tentar prendê-lo
à lógica das circunstâncias
dadas.”
Não tive tempo nem para o adeus.
Emudeci, paralisei,
com as mãos vazias, cheias de
derrota,
contemplando o foco de toda a
minha existência
desaparecendo para sempre
entre os montes verde-azulados do
horizonte...,
esta faixa de luz e sombra
onde o mundo dos sonhos e o mundo
da dor
unem-se por um momento impreciso
e indefinido.
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