I – As Alturas
Na gravidade nula sentem-se frágeis,
girando sobre seu próprio peso morto,
aguardando pela bomba do terror
externo, eterno, histórico.
Fagulhas de gelo queimador.
Fim dos grandes lagartos e de seu reinado.
O final previsível da história de ninar
escatológica,
o grito primal entre os dentes
partidos do tempo.
Tudo visto em retrospecto
em folheios de uma enciclopédia
mutante.
Ilusão de ser distante...
Distantes estas explosões,
cintilando e fervilhando na vasta
curvatura azul,
vistas daqui de cima como pequenos
estouros de espoleta
jogadas por crianças.
“Sim, certamente estaremos protegidos
aqui.
O anexo incólume deste mundinho em
órbita.
Temos víveres, agasalho
e até um escurinho confortador, pra
quando preciso.
Pode-se até sonhar, veja só!
É químico o nosso gozar. ”
Mas não o é a maldição.
A fria tecnologia inimiga tem a última
palavra.
O calor de nossos corpos vivos nos
denuncia
à minúscula sonda infiltrada
e o pesadelo recomeça.
“O
que é em cima
corresponde
ao que é embaixo”
II
– A Crosta
Campinas férteis chamuscadas,
campos de força colapsados
e pensamentos autoconduzidos
que fazem congestionar, entupir
os dutos de salvação.
sangue explode animal
dor golpeado gritar
mau morra morteiro fugir
maligno sofra corro pedaços
caindo na terra. Renúncia às
esperanças.
O destino em nossos punhos.
Os punhos arrancados, no chão.
No chão, os pulsos jorram.
Uma terra onde não germinam
argumentos.
A torrente maligna nos leva
na embarcação férrea e condenada à
fundura.
Condenado é o grito e o pranto das
almas,
na prensa-pressão que esmaga a calma
fugaz
e faz jorrar, esguichar as lágrimas
das crianças perdidas.
Veja como os pequeninos se
dilaceram...
O ódio febril ante à constatação
de que o inimigo ainda pode
respirar...
dando sucessão
ao ódio pelo fato de o inimigo não
mais respirar
e a tortura acabar
cedo demais.
Mas, eis que nos ares,
dos ares precipitam-se brinquedos
que cobrem nossos escombros.
Luzidios bonequinhos desmembrados...
(O controle em ignoradas mãos.)
Mesmo em sonhos,
mesmo em sonhos não conseguimos nos desviar
das visões.
Com uma corda no pescoço
e um grilhão nos tornozelos,
afundamos agora no revolto mar de
sangue
para lá ouvirmos os gritos dos
fantasmas submersos,
convulsionando-se em inenarrável
agonia.
O horror plasmado em nossas mentes.
O requinte das novas torturas do Espírito.
III
– A Compreensão
Muito mais submerso,
menos percebido
e nem mesmo despertador de horror
nestas horas
é o caráter do lixo vislumbrado
entrelaçado ao lodo milenar.
O montante das parafernálias
tecnológicas
acumuladas com o suceder das gerações.
Resíduos-vestígios de formigas pensantes
que já marcharam sobre a terra.
Resíduos-vestígios de formigas pensantes
que já marcharam sobre a terra.
Em marcha trôpega seguem os farrapos vivos
não contabilizados, mas monitorados
pela sombra de uma fantasia iluminista.
Corroendo vias respiratórias e
intravenosas
prosseguem cada uma das nanounidades
assassinas
minuciosamente projetadas nos
institutos
ocultos aos nossos instintos
otimistas.
No fim, tudo ao lodo.
Pó, ferrugem,
vanitude até mesmo das singelas
bênçãos
obtidas no curso deste desenvolvimento
febril.
Indescritível precisão
desta compreensão horrenda...
(...palavras jamais precisas...)
(...sensações tão insuportavelmente
nítidas...)
...medo em cor.
Calcule o gosto da dor.
Mensure esta nossa separação.
Coloque em tabela,
em gráfico,
decodifique às sensibilidades
remanescentes.
Uma mensagem singular
em onda de rádio multidirecional.
Um imenso, colossal,
uníssono apelo coletivo, um berro
de bilhões de gargantas
direcionado ao escuro profundo
do espaço cósmico.
“O
que é embaixo
corresponde
ao que é em cima”
IV
– O Decaimento
No vácuo sentem-se fracos,
depois espremidos,
por fim exterminados
para dentro do grande silêncio estrelado.
Os poucos aterrorizados tripulantes
ainda se esgueiram
por entre os jatos de plasma
corrosivo.
Nada reminiscente
dos antigos atos de missão suicida
daqueles que agora não mais ousam aparecer
em
pessoa.
Sem rosto. Sem alma.
Sem pessoa – obstinados autômatos.
Ainda no display,
uma visão em retrospecto
de um sonho fugaz de civilização.
Nenhuma prospecção.
Diante das vistas dos filhos das
trevas,
o magnífico semblante
da totalidade dos arquivos
cuidadosamente preservados.
O último refúgio
das últimas refugiadas memórias.
A antevisão do ato final
do morticínio
da Razão Iluminada.
Grandioso parricídio.
Agora, talvez um simples lampejo de
espoleta traquinas
para as vistas de algum olho surreal
das profundezas das trevas cósmicas
geladas e estéreis
e incapazes de responder a qualquer
berro uníssono.
Incandescendo ao baixar à atmosfera,
a carcaça da biblioteca orbital
projeta-se como uma estrela cadente
sobre o imenso deserto.
sobre o imenso deserto.
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