Novo
Hamburgo, abril de 1993.
1
– Ainda longe
(expectativa no fim da
tarde)
Está
lá longe.
Mas
chegarei até lá, inexoravelmente.
Uma
batida inexorável, no rádio,
me
faz pensar.
Seria
orgulho o que me impele?
Antes
fosse...
Sim,
isto aí: antes era.
Agora
é meio um sonambulismo hipnótico...
mas
tenho plena consciência do transe magnético
noturno.
Mesmo
alertado das mentiras unidas às verdades
na
soma das situações.
Não
importa se o som se apaga agora;
há
um fluxo que continua nos levando a um ponto morto
nada
fácil de explicar.
Tento
antever o invisível, imaginar o inimaginável
e
arremesso minha atenção para longe
do
conforto da reflexão especulativa.
E
o ritmo se repete, repete-se
o
tumulto, a surpresa rotineira;
todos
correm para o conforto
e
o ritmo amansa aos poucos.
Os
pássaros acomodam-se nas árvores,
cada
um no seu galho,
enquanto
a noite vem.
2
– Fluxo
(movimento do início da noite)
O
céu está carregado de ondas.
Palavras
pairam sobre os bairros,
ao
redor dos morros,
acima
de nossas cabeças.
Ouvidos
atentos
ao
bramido dos veículos.
Parabólicas
nos topos dos prédios.
A
frenética coreografia urbana
e
a cenografia dos luzeiros suburbanos
são
frágeis espasmos de vida,
entre
a solidão da lembrança
e
a crueldade da dúvida.
A
noite flui,
leva
consigo a velha esperança
para
dar lugar a uma nova.
Esta
é a sua função,
sua
obrigação.
O
sol morreu:
a
cidade está de luto.
Acende
velas
e
festeja com ironia
a
impermanência das coisas
que
vão embora para sempre
com
o fluxo da noite.
3
– Velhas novidades
(cruzando
o Centro Histórico)
Do
ônibus contemplo a exótica mistura
de
prédios antigos “históricos”
com
os modernos.
Bem
como construções e demolições
lado
a lado.
O
que se faz nas almas
que
nesses meandros circulam?
Quebram
tradições
e
não percebem que o ato de quebrá-las
já
se torna mais uma tradição.
Não
revisando fatos,
nem
construindo algo realmente novo,
apenas
brindam às tradicionais destruições
provindas
apenas de desejos destrutivos primários.
E
agora aí estão coisas de pé,
ruínas
e construções.
A
vida é assim;
assim
é a cidade;
o
fato está na boca dos renovadores,
mas
não é dito porque eles presumem
que
não seja algo que consigam falar em alto som.
Resta
agora de sólido e persistente
o
que ruiu sob as luzes da noite.
Das
noites, as muitas,
que
só agora surpreendem o novo notívago,
saturando-o
de vãos ideais de renovação
que
longe estão de dar lugar
a
um Renascimento autêntico de ideais vitalizantes,
que
aos renovadores renove
através
de um mecanismo gerador de originalidades
que
só pecariam se viessem a se vangloriar
pelo
mero motivo de serem novas.
4 – A cidade à noite
(contemplando um conhecido panorama com novos olhos)
A
cidade, nítida ao anoitecer,
é
um pesadelo florido
de
estranhas expectativas.
O
céu derrama as primeiras gotas de incerteza,
as
ruas não querem lembrar do passado,
ouvimos
em toda parte o zumbido do vazio,
vemos
o vazio diretamente,
vemos
que vemos
e
a noite continua lá.
Ruídos
desconexos – o silêncio é para quem o quer.
E mesmo sem senti-lo,
sabemos
que ele impera na distância.
A
noite segue,
dialoga
com nossos sentidos,
me
faz quase imaginar, por um segundo,
que
eu poderia tranquilamente deixar tudo assim
–
colorido, distante –
e
me apegar à assimetria das esquinas.
Como
carregar o peso da imaginação.
A
noite parece agora mais clara que o dia.
A
luz solar ilumina menos que o neon
e
os postes
e
os faróis
o
que podemos ver, enxergar no escuro.
O
que queremos?
5
– Tempo e clima
(absorvendo
todas as sensações possíveis, antes mesmo
do
evento principal)
Como
silêncio aqui, um som ao longe.
Como
o som aqui – noções
de
tempo e limitação
nunca
poderão nos apanhar fora daqui,
à
noite,
em
qualquer noite.
A
cidade protege seu bem e seu mal.
Mistérios
do pensar e do sentir
–
sobre-estimulados.
Pensar
o que se sente torna-se agora fácil,
bem
como o vice-versa.
As
coisas bem poderiam ficar como deveriam
–
isto é, como queremos que devam ficar.
Mas
ainda não temos o comando do tempo,
do
clima e da situação.
Orgulho,
esquecimento;
sombras
de outono.
Pensamentos
obscuros
numa
madrugada de inverno.
Ação,
sentimentos;
saudades
de primavera.
Descontração
e entusiasmo
numa
madrugada de verão,
numa
madrugada irrequieta
de
pensamentos, sussurros e gritos,
de
aliciantes enganos.
6
– Movimento urbano
(começando
o contato com os notívagos)
Olhamos
para o chão,
quando
sobre nós
algo
enevoado parece nos incriminar.
Algo
óbvio que está em cada beco,
inevitável
em cada esquina
e
eu aqui, considerando-me satisfeito
por
não estar à mercê deles,
se
é que aqui me encontro realmente
e
não sou mera sombra
de
mim mesmo.
Volta
a consciência de que as horas seguintes
–
iluminadas, impacientes –
estarão
fora do alcance
desta
mesma consciência.
Voltam
os fracos pingos.
O
mundo é escuro e claro em insana alternância;
o
mundo pulsa;
o
mundo dança e foge do escuro
para
se refugiar em outro escuro.
Procure
causas...
As
presenças já vêm se arrastando
em
busca de satisfação
nas
profundezas do esquecimento.
Os
antros do artifício.
Encontre
efeitos...
O
tempo aqui parece curto
para
as crias do desaviso
que
prosseguem no espaço traidor.
Prosseguem.
7
– Os que evitam pensar
(considerável
senso de não pertencimento)
E
lá fora, acima de tudo,
paira
a ironia,
auto-indulgente,
robusta, fria.
Caminham
pela calçada
seres
que ignoram os mistérios absurdos
e,
justamente por isso,
deles
tornam-se parte.
Neles
vivem,
se
divertem, se aborrecem,
obedecendo
automaticamente
às
leis produzidas por outrem,
mas
aceitas passivamente
pelas
almas e cérebros
que
em sua não funcional memória
arquivam
eventos devastadores,
embora
de semblante trivial,
e
a ninguém poupam
em
suas improcedentes delações
e
arbitrárias condenações,
que
partem de juízos que se definem,
de
seu minúsculo ponto de vista,
por
apenas dignos de obediência,
simplesmente,
visto
terem surgido da conveniência dos privilégios
destes
propósitos respirantes / ambulantes
que
evitam pensar
em
reavaliar seus conceitos de justiça
só
para poderem descontraidamente
caminhar
na calçada.
8
– A dita centelha
(a
busca pelo real calor humano)
Passos
inaudíveis
são
respirados na atmosfera sólida.
Só
um detalhe,
uma
luminosidade, aquele preciso detalhe
daria
segurança.
Mas
as sombras não se questionam.
Ouço
comentarem que alguém conhecido
havia
rolado por uma escada
num
delirium narcótico.
Sem
maiores detalhes.
Lembro
então da cena de um videoclipe realista,
mas
parece agora que tudo está bem, afinal,
nos
ambientes onde nos movemos,
talvez
por serem simplórios os olhos
daqueles
que veem.
Enquanto
isso, permaneço me perguntando:
“o
que tornaria os sorrisos eternos?”
Não
quero uma falsa liberdade;
quero
espaço para minha mente se mover.
Se
houvesse ao menos aquele brilho,
então
faltaria pouco para a jornada iniciar.
Mas
nada disso ocorre.
Há
muitos fracos nesta noite
e,
se estou aqui
–
se é que não sou mais um fraco –,
seria
eu um covarde
por
não saber como ajudá-los?
Eu
preciso tanto de tantas coisas
e
não consigo tirar do esconderijo
os
olhares sinalizadores de caminhos.
Eu
preciso que alguém precise de mim.
Mas
nada disso ocorre.
É
inexorável.
9
– Claustro
(o
ambiente parece hostil à vida)
Não
quero ver
que
parte do que julgam que eu seja
está
chafurdando em um lodaçal coletivo,
comprimido
contra cantos,
na
penumbra furtiva
ou
sob luzes artificiais,
grosseiros
disfarces das sombras.
Eclipse,
eclipse humano
total
diante de mim.
Olho
para o ser de luz
ou
para o ser de sombra?
Não
sei o que é a verdade profunda disso,
mas
há algo na minha frente
e
em mim
precisando
encontrar definição.
Mundo
pequeno! Mundo de claustrofobia,
moldado
em carne e concreto.
Aço
e carne. Carne e carne.
Sombra
e aço. Concreto.
Sombras
dançam,
sombras
pensam.
Carne.
Há
algo que eu procuro.
Além
das paredes, além de mim próprio.
Vida
na carne?
10
– Delirioso
(no
auge da festa, não se sabe mais o que é real)
O
escuro me traz calor,
me
faz suar,
seja
onde for.
Então
acenda alguma luz,
traga
nem que seja penumbra
–
ela pode ao menos trazer alguma poesia.
Se
a claridade é o absurdo,
as
trevas são o mistério elementar.
O
vazio do intenso branco deve desaparecer
para
dar lugar a um branco mais substancial.
Mas
não posso eu sentir-me bem no escuro,
sabendo
que o claro existe em algum lugar?
Só
um detalhe...
Um
detalhe, meus Deus, agora, agora!
Não
é tão real assim.
Aí
meu chapa, tudo legal? Você é real?
Ei
você, responda!
Leve-me
para o silêncio.
Viva
bem sua pequena vida,
viva
bem.
Sólido,
imóvel, imutável.
Todos
são tão sólidos
–
justamente isso é o que parece irreal agora.
Caminhe
para a direita ou para a esquerda
–
você não deixa de ocupar espaço.
Onde?
Como??
11
– Lacônico
(festival
de inseguranças)
Sou
assim tão incapaz?
Não
quero imaginar
que
já fiz tudo que podia...
Muito
pouco – tudo está do mesmo jeito.
Consegui
chegar tão longe
e
agora vejo que não adiantou;
não
consigo prosseguir.
Suspense
nos meus poros.
Cores
e vozes.
Cores
do desejo.
Temo
desejar algo
e
pedir,
pelo
alto risco de não receber (e perecer).
Não
perguntarei,
pois
não responderão – eu sei.
Não
consigo rir,
enquanto
ainda houver possibilidade de que no final
seja
a tristeza o que me restará. (Caberá?)
A
mudança almejada
não
ocorrerá verdadeiramente
enquanto
eu não puder garantir que mudem
aqueles
a quem cabe fazer a mudança.
Devo
lutar,
mas
preciso de habilidades a longo prazo
para
este tipo de luta.
Devo
me libertar de minhas limitações então
–
ao menos uma sábia emancipação
estratégica.
A
resposta estará, como sempre,
no
ar.
12
– Vozes
(um
súbito pertencimento?)
Estreitando
consciências,
eles
vão formando pátrias, vidas, dias claros;
e
à noite, a descarga de adrenalina
não
consegue mais fazer frente a tal onda diária
de
números e informações exatas,
de
palavras e pausas tão carentes
de
resultados mais sociáveis
sentidos
por todas as vítimas emudecidas
desta
trama redundante.
Para
as engrenagens da esperança
parecerem
então funcionar,
o
único jeito agora seria ignorar o não funcionamento
num
temerário contentamento passageiro
que
mascara o presente
da
frágil convivência.
Obedeço
forçadamente a este recurso
porque
convivo
–
convivo com a dor.
As
vozes da dor.
Grupo
de presenças
que
o tempo parece não mudar,
vejo
o seu futuro, sei o seu passado.
Não
importa como ele será.
Não
queria ter este dom num momento desses...
Vejo
que tudo corre lado a lado com elas,
as
vozes da noite.
A
dessemelhança na semelhança.
Ouço a elas, completo o fracasso.
Ouço a elas, completo o fracasso.
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