sexta-feira, 30 de março de 2018

Serviço público de regurgitação






Pendurada pelos fios e cabos
que ainda zumbem;
o cabelo antes quase branco
agora em flocos cinza que se desprendem ao vento;
a boca... bem... falemos de coisas
existentes, ok?
Como, por exemplo, o resultado da investigação mental
a respeito da dúvida se o sangue dos carbonizados
continua a ser vermelho ou não.
Ora, basta o contato com o ar e ele...

De volta ao início. Onde? Ah, eu dizia
que há algo singular a ser apreciado aqui,
de mandíbulas bem abertas,
pungente como uma legítima obra de arte.
Talvez nossa indagação
a respeito de valer ou não a pena
jogar-se do nono andar
da torre de nossas indiferenças urbanas empilhadas.

Sim, é vermelho.
Bem vermelho – ainda.
Se você for bem detalhista, posso dizer
bordô (talvez).
Pelo menos é o que agora vejo derramar-se
no parapeito florido (acho eu)...
semelhante à tonalidade da batina ou bata
de nossa impossível...
redenção (quem sabe).

Este artefato, certamente você não colocará
como destaque em sua sala de estar.
Você já me falou no mínimo 900 vezes
de sua abominação por modernidades.

Bem, então é por isso que a obra é pública.
Todos podem ver e tocar;
ver, tocar e até... cheirar.
Ver, tocar, cheirar e...

É morninho debaixo das suas cobertas,
eu sei – sutis reminiscências
de um paraíso infantil.
Uma manhã rosada, eu sinto –
um céu de nuvens de algodão-doce com bebezinhos alados
e caixinhas de música.
Em cores chapadas, suaves e repousantes
como a arte-final do recente lançamento
do seu projeto musical experimental
revolucionariamente arcaico.
Belo sonho – eu sei, já estive nele,
já o sonhei e realizei ao meu modo.
Mas... que tal agora você abrir a janela
para a proverbial nova esperança?

(Os telefones dos setores da prefeitura
que agora seriam mais úteis e urgentes
nunca e jamais estarão presentes
nos bloquinhos de cabeceira
dos sonhadores ligeiros e caseiros,
crentes na salvação pessoal
pela pureza unilateral de sua obra.)








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